Trump quer reserva nacional de bitcoin e pode criar corrida por criptomoedas

há 20 horas 1

A política pró-criptomoedas do novo governo Donald Trump pode levar a uma quebra de paradigma econômico semelhante ao fim do padrão-ouro, promovido por Richard Nixon em 1971. Essa é a avaliação de Leandro dos Santos Maciel, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo).

Para conter uma crise econômica que minava sua reeleição, o governo Nixon aboliu a garantia de troca de dólares por ouro a uma taxa fixa de US$ 35 por onça-troy, definida após a Segunda Guerra Mundial, o que dava mais flexibilidade à política monetária americana. Além disso, se os países quisessem fazer a troca de seus dólares em caixa por ouro, os EUA não conseguiriam cumprir o acordo, pois não tinham ouro o suficiente.

Agora, Trump pretende criar uma reserva nacional de bitcoins, uma moeda finita. Apesar de ser divisível 100 milhões de vezes, só podem ser emitidos 21 milhões de bitcoins. E, atualmente, já existem 19,9 milhões, o que explica a valorização meteórica da criptomoeda.

"A adoção de uma política estratégica envolvendo bitcoin pode marcar uma nova era no mercado financeiro internacional. Essa política, adotada por uma das principais economias globais, pode influenciar outros países e políticos a seguir um caminho semelhante", diz Maciel.

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Cristiano Corrêa, professor de finanças do Ibmec, concorda. "Não só é semelhante [ao fim do padrão-ouro] mas com potencial para consequências ainda piores."

Segundo o docente, naquela época se fixou valor da moeda, enquanto o preço do bictoin varia de acordo com as condições do mercado financeiro e o fluxo de compradores e vendedores.

"As criptos de forma geral nasceram justamente para solucionar problemas causados por esse tipo de mercado centralizado. A partir do momento em que se pensa em reserva de bitcoin, toda a ideia de descentralização cai por terra. Não é possível fixar preço para o bitcoin, uma vez que a moeda é descentralizada", afirma Corrêa.

Outro problema, segundo o especialista, seria o efeito inflacionário e a consequente queda de renda. "Quando você tem uma grande quantidade de um ativo, você tem certo controle sobre ele. Um exemplo é a reserva de dólar do Banco Central."

Já Michael Viriato, assessor de investimentos, sócio fundador da Casa do Investidor e colunista da Folha, não vê esse cenário. Para ele, é difícil que os EUA de fato criem essa reserva.

"O ouro serviu para que papel-moeda seja válido, e o bitcoin ainda não serve como instrumento de troca. Ele é diferente de moeda, de ação, de ouro, é um instrumento tecnológico que pode vir a ser facilmente substituído no futuro", diz Viriato.

Para o especialista, essa discussão é um trunfo de Trump, que conseguiu o apoio do setor em sua reeleição e conseguiu, inclusive, captar dinheiro por meio de sua memecoin, o $TRUMP.

"O bitcoin ainda tem que se provar, especialmente com relação a sua segurança. No fundo, é apenas um conjunto de caracteres", afirma Viriato.

Em seu discurso de julho, Trump sugeriu que uma reserva de bitcoins ajudaria os EUA a dominar o mercado global de bitcoins diante da crescente concorrência da China.

Na quinta (25), essa bandeira eleitoral avançou. Trump assinou ordens executivas para a criação de um grupo de trabalho encarregado de propor novas regulamentações sobre ativos digitais e explorar a criação de um estoque nacional de moedas eletrônicas. Ele também proibiu a criação de moedas digitais pelo Fed (banco central dos EUA), que poderiam competir com as criptomoedas atuais.

O bitcoin atingiu novo recorde a US$ 109.071 (R$ 645.373) na segunda (20) em meio à empolgação dos investidores com o apoio de Trump às moedas digitais, embora tenha caído para US$ 104.862 (R$ 620.470) ao fim da sexta-feira (24).

Entusiastas do plano afirmam que manter um estoque de bitcoin poderia valorizar o dólar e ajudar os EUA a reduzir seu déficit sem aumentar impostos.

No entanto, diferentemente de petróleo, ouro e grãos, que contam com reservas estratégicas, o bitcoin não tem uso intrínseco e não é crucial para o funcionamento da economia dos EUA. Além disso, as carteiras digitais podem ser alvos de ataques cibernéticos.

Os EUA já possuem a maior quantia de bitcoins detidos por governos. São cerca de 200 mil bitcoins que foram apreendidos pela Justiça. É possível que, sob ordens do novo governo, esse montante seja movido para o Tesouro americano, que continuaria a adquirir bitcoins no mercado.

Há um projeto de lei da senadora republicana Cynthia Lummis que prevê a compra anual de 200 mil bitcoins por cinco anos até que o estoque do Tesouro americano atingisse 1 milhão de bitcoins —cerca de 5% dos 21 milhões—, o qual seria mantido pelos EUA por, no mínimo, 20 anos. Segundo o projeto de Lummis, o Tesouro financiaria essas compras com lucros do Fed (banco central dos EUA) e com as reservas de ouro do país.

Os EUA têm a maior reserva do metal do mundo, somando US$ 720 bilhões (R$ 4,3 trilhões), quase quatro vezes mais que o montante da China, segundo dados da Trading Economics.

Se a maior economia do mundo der ao bitcoin status de reserva de valor como o ouro e o dólar, por mais que a moeda em si não tenha um valor intrínseco, isso poderia mudar a dinâmica econômica atual, com uma corrida por criptomoedas, avaliam especialistas.

Gracy Chen, presidente da Bitget, uma das maiores corretoras de cripto do mundo, ainda não vê uma corrida por criptos nos países, mas já observa que grandes empresas de Japão, Taiwan e Tailândia estão se antecipando e estocando bictoin.

"Algo muito interessante é que, neste mês, o governo chinês emitiu um documento para que várias instituições governamentais olhassem para alguns setores, incluindo IA, drones de baixa altitude e criptomoedas e blockchain", diz a executiva.

A China já acumula bitcoins, com a segunda maior carteira (190 mil bitcoins), segundo a plataforma Bitcoin Treasuries.

"Os chineses estão repensando o fato de os EUA estarem sendo tão proativos em apoiar não apenas o bitcoin mas também outras stablecoins como USDT, para aumentar o poder dominante do dólar americano", completa Gracy.

USDT, também conhecida como tether, é uma criptomoeda, em tese, lastreada em dólar. Porém, não há uma paridade de 100% com a moeda americana.

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Apesar do momento positivo para os criptoativos, especialistas recomendam cautela aos investidores, já que tais mudanças já estão sendo precificadas e a eventual criação da reserva não deve se concretizar ainda neste ano.

"Ouvi de alguns dos conselheiros, que eu conheço, que estão fazendo regulamentações e discutindo estruturas, mas não há nada concreto", afirma Gracy.

COMO INVESTIR EM CRIPTOMOEDAS?

Além das exchanges, diversos bancos e corretoras já disponibilizam o investimento em criptomoedas, em reais. Também é possível comprá-las indiretamente, via ETFs (fundos de índice) ou fundos de investimento

QUANDO COMPRAR CRIPTOMOEDAS?

Criptomoedas são ativos arriscados e voláteis indicados apenas para investidores arrojados, que já tenham uma carteira de investimento diversificada. Nesse caso, o ideal é comprá-las aos poucos, de modo a construir o menor preço-médio possível e maximizar ganhos

QUANTO INVESTIR EM CRIPTOMOEDAS?

Especialistas orientam que a exposição a moedas digitais, mesmo no caso de investidores arrojados, seja de no máximo 5%. Idealmente, nem tudo deve ser bitcoin, de modo a reduzir o risco ao distribuí-lo entre outros criptoativos, como ethereum, xrp, tether e solana

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