Poucas plateias deste Lollapalooza, que chega ao fim neste domingo (30) após três dias em São Paulo, foram tão vibrantes quanto a do Tool. O grupo de metal progressivo, ou alternativo, foi uma das poucas atrações de rock pesado do festival neste ano, junto ao Sepultura.
As duas bandas fizeram do espaço dos palcos Samsung e Mike's Ice um refúgio da música pesada com uma surra de decibéis. Elas tocaram em sequência, nos últimos horários do festival neste ano, antes e durante a apresentação do headliner Justin Timberlake no palco principal.
Os americanos fizeram um show consagrador para um público que se não era gigante pelo menos reuniu uma legião de fãs —foi a primeira vez da banda no Brasil. Antes mesmo de o grupo tocar "Fear Inoculum", que abriu a apresentação, o palco Samsung estava replete de pessoas vestindo camisetas do Tool, e eles gritaram antes, durante e depois de cada performance.
O Tool despontou nos anos 1990 com um som pesado que tem um pé no heavy metal e outro no rock progressivo, tudo isso embebido na sujeira grunge da época. Lançou quatro álbuns entre 1993 e 2019, faturou outros quatro prêmios Grammy e colecionou seguidores ao longo desses anos.
Se não é um grupo tão conhecido, aqueles poucos que o ouvem são apaixonados. É o tipo de música tecnicamente bem tocada, ancorada nas longas performances instrumentais de Adam Jones (guitarra), Danny Carey (bateria) e Justin Chancellor (baixo). O vocalista, Maynard James Keenan, guiou os companheiros sem ganhar os holofotes —cantou na parte de trás do palco.
O Tool, aliás, não colocou imagens de seus integrantes nos telões laterais, mas sim animações sinistras que complementaram o clima soturno e caótico do som da banda. A iluminação tampouco ajudou a visibilidade, e os músicos tocaram em meio à fumaça e à sombra roxa dos canhões de luz.
Foi uma estranheza sem igual neste Lollapalooza, marcado pela entrada de estrelas do pop básico de TikTok. De básico o Tool não teve nada —a banda preencheu os morrinhos do autódromo de Interlagos com misério, levadas quebradas e doses cavalares de guitarras distorcidas e microfonia.
Se é característica do metal progressivo a abordagem hermética e intrincada das construções musicais, no palco o Tool não soou exibicionista. Ainda que a performance muscular nos instrumentos seja a base do apelo da banda, os músicos não estiveram ali se perdendo em demonstrações de virtude, mas contribuindo para forjar a atmosfera nebulosa das canções.
O repertório passeou pela discografia curta do Tool, com "Jambi", "Stinkfist", "Rosetta Stoned" e "The Grudge", todas com duração de entre cinco e onze minutos. "Pneuma", com um riff de guitarra cortante e hipnótico que fez a plateia cantar junto com o instrumento. A sequência com "Parabol", "Parabola" e "Schism" foi a mais celebrada, antes do encerramento com "Ænema" e "Flood".
Sem muita cerimônia, o Tool gritou uma vez ou outra o nome do país em que tocou, e os integrantes saíram do palco sem dizer tchau ou obrigado. Não que fosse necessário. A plateia berrou o nome da banda ao fim de cada uma das performance e vibrou como se estivesse vivendo o melhor dia de suas vidas —algo, aliás, pouco frequente nesta edição do Lollapalooza.
Energia também não faltou para o público presente no show do Sepultura. A banda brasileira, atualmente fazendo sua turnê de despedida, reuniu dezenas de milhares de fãs com camisetas pretas e muita disposição para pular e cantar com os braços levantados.
Após alguns segundos do Sepultura em cima do palco, ao som de "Refuse / Resist" e "Territory" —clássicos do heavy metal global—, já havia pelo menos três rodas de bate-cabeça na plateia. Não era uma multidão a perder de vista, mas muita gente foi prestigiar a maior banda do gênero na história do Brasil.
Perto do Sepultura, em termos de agressividade, o Tool pareceu uma banda de crianças. O grupo encabeçado pelo guitarrista Andreas Kisser tem uma estética ainda mais sombria e suja, representante do thrash metal, de vocais guturais, riffs que soam como pedradas na cabeça e baterias que parecem acelerar na velocidade da luz.
A brutalidade sonora deu as caras em "Desperate Cry", pérola do disco "Arise", de 1991 que a banda não tocava desde 2019, e um presente para os fãs. Seguiu com "Kairos", cujo refrão nos alto-falantes pareceu sair diretamente das vísceras do vocalista Derrick Green, e "Attitude", petardo do disco mais reverenciado do Sepultura —"Roots", de 1996— que é uma explosão de raiva.
Assim como fez com o Tool, o público gritou o nome do Sepultura ao fim das performances. No show da banda brasileira, também levantou os braços e balançou a cabeça como manda a cartilha headbanger, além de não fechar as rodas de bate-cabeça nem por um minuto.
As duas bandas passaram pelo festival como um trator, dando uma descarga elétrica no fim do domingo de um Lollapalooza um tanto frio. Foi uma demonstração de que a música pesada, com suas muitas particularidades, carrega um público engajado e quase sempre disposto a fazer dos shows algo mais do que a trilha sonora para um passeio no parque.