Uma das características mais marcantes da extrema direita é a clareza com que defende que a punição severa e exemplar de qualquer comportamento desviante ou ilícito é o modo mais eficaz de manter a sociedade na linha. Um bom punitivista desdenha de quem busca compreender as causas sociais do comportamento e desconfia de garantias legais, como o devido processo, a presunção de inocência e o direito de defesa. Tudo isso —dirá— é parte da cultura de complacência progressista que mantém alta a criminalidade, a desordem e o desrespeito à lei no país.
Não tenho dúvida de que a abordagem punitivista do crime —muito mais próxima da percepção e do desejo da maioria dos brasileiros do que a exaurida perspectiva da esquerda— é uma das razões do sucesso popular do bolsonarismo.
Bolsonaro é a favor da pena de morte e da antecipação da maioridade penal, justifica a brutalidade policial, é contra audiências de custódia, progressão de penas e saídas temporárias e não dá a mínima para a superlotação carcerária ou para os direitos humanos de presos. Boa parte da população brasileira o acompanha.
Na base dessa posição está uma aplicação simplificada da teoria econômica do crime, proposta por Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia, que em 1968 formulou a hipótese de que os criminosos agem com base em cálculos de custo-benefício. O indivíduo avalia a viabilidade de cometer um delito considerando três variáveis fundamentais: o risco de ser descoberto, a probabilidade real de punição e a severidade da pena em caso de condenação.
Se os riscos de ser descoberto são baixos —por falta de vigilância, insuficiência institucional ou cumplicidade interna—, o crime compensa, pois é provável que se escape ileso. Se, mesmo após a descoberta, a punição for improvável —por motivos políticos ou lentidão judicial—, a sensação de que vale a pena persiste. Por fim, se mesmo após ser descoberto e punido as penalidades forem brandas ou facilmente reversíveis, o benefício potencial da ação ilegal será percebido como ainda superior aos riscos envolvidos.
Pois bem, essa mesma teoria econômica do comportamento aplica-se com ainda mais precisão ao julgamento de Bolsonaro e dos bolsonaristas envolvidos na tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e na conspiração golpista.
Ser tolerante com a violência política, o golpismo e os ataques às instituições democráticas é o mesmo que reduzir o custo de futuros atentados. E, como ensinou Becker, quando o custo é baixo, o crime se repete.
Ao longo da história, qualquer pessoa que se junta a outras para derrubar um regime sabe, de antemão, que se fracassar o preço será altíssimo. Se, mais adiante, alguém tiver sucesso na empreitada, os punidos serão considerados mártires e o golpe será chamado de revolução; mas, enquanto isso, fuzilamento, evisceração, forca, esquartejamento e prisões perpétuas são o preço cobrado por qualquer regime que resista ao ataque.
Na democracia, os golpistas ao menos têm direito ao devido processo —e já não se paga com sangue e vida, o que é muito mais do que eles ofereceriam aos seus inimigos se tivessem tido êxito. Mas nem mesmo a democracia sobrevive se não cobra um alto preço de quem tenta derrubar governos legítimos ou permanecer no poder à força.
O Brasil viveu várias experiências traumáticas com regimes autoritários e golpes militares ao longo de sua história, o que torna a democracia liberal, entre nós, sempre uma conquista provisória e sob risco. Nesse cenário, se não houver vigilância, investigação e punição de atos contra o Estado democrático de Direito emite-se a mensagem —aos oportunistas de sempre— de que o crime contra a democracia é um ato de baixo risco e que, portanto, compensa.
Por essa razão, todos precisam ser julgados e severamente punidos —inclusive Bolsonaro. Isso não é desejo de vingança, mas uma necessidade estratégica: elevar drasticamente o custo percebido de futuros atentados semelhantes. É fundamental que ninguém acredite poder escapar às consequências de atentar contra o regime democrático.
Aplique-se aos golpistas a mesma lógica do bolsonarismo, que diz: "Se não houver punição firme, o crime compensará". Permitir a impunidade ou minimizar a gravidade dos crimes contra a democracia significa tornar esses atos politicamente lucrativos, encorajar novos ataques e fragilizar permanentemente o sistema democrático.
Não há democracia sustentável sem que os riscos para seus inimigos sejam claros, certos e rigorosamente aplicados.
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