Terra pode ter tido anel há meio bilhão de anos

há 3 meses 16

É quase impossível encontrar um entusiasta da astronomia que não tenha um dia imaginado como seria a Terra se tivesse um sistema de anéis, como os de Saturno. A surpresa é que isso um dia pode mesmo ter sido realidade –há 466 milhões de anos.

A novidade vem de um estudo liderado por Andrew Tomkins, da Universidade Monash, na Austrália. Em artigo publicado no Earth and Planetary Science Letters, ele reconstrói a posição das placas tectônicas, que promovem em escalas geológicas a dança dos continentes, no período Ordoviciano, entre 488 e 443 milhões de anos atrás. Essa reconstrução mostrou onde estariam 21 crateras de impacto geradas por asteroides naquela época. Todas estavam a no máximo 30 graus da linha do equador –embora a maior parte das massas continentais do planeta estivesse fora dessa faixa.

Para explicar a coincidência, os pesquisadores evocam a possibilidade de que a Terra teria ganhado, há 466 milhões de anos, um anel, formado pela passagem próxima de um asteroide de grande porte pelo planeta. Há um limite de proximidade que um objeto desse tipo pode atingir antes que a força gravitacional da Terra, pelo efeito de maré, possa fragmentá-lo. A hipótese aí é que o asteroide tenha adentrado o chamado limite de Roche, sem no entanto colidir, e então tenha se quebrado em muitos pedaços, que se estabeleceram em órbita, formando um anel.

Ao longo dos milhões de anos seguintes, material do anel teria caído gradualmente na direção do planeta, criando o aumento de impactos de meteoritos naquela faixa equatorial revelado pelo registro geológico. Tomkins aponta que há evidência adicional desse processo, na forma de um enriquecimento de detritos de meteoritos nas rochas sedimentares daquele período.

Para os pesquisadores, o resultado pode explicar mais que as crateras de impacto. Eles especulam que a presença de um anel afetaria o clima do próprio planeta, ao projetar uma sombra, bloqueando parcialmente a luz solar. O fenômeno levaria a uma era de esfriamento global, como de fato parece ter ocorrido no final do Ordoviciano.

O resultado é interessante por enfatizar como a história dos planetas pode passar por muitas fases diferentes, que afetam profundamente as condições que eles oferecem em um dado momento. A despeito de ter preservado a vida de forma ininterrupta por cerca de 4 bilhões de anos, a Terra nem sempre foi o planeta que conhecemos hoje.

Isso também ajuda a reforçar o drama que vivemos agora: a humanidade, com sua tecnologia, se converteu em uma força geológica, capaz de alterar a composição atmosférica do planeta a ponto de transformar seu clima. E aí não é uma discussão de se a Terra é melhor mais quente ou mais fria; qualquer variação grande, para mais ou para menos, cria desafios de adaptação para as espécies que hoje vivem nela –inclusive, óbvio, para nós mesmos.

O achado também ajuda a nos lembrar que o que nos parecem eternos cartões postais do Sistema Solar, como a grande mancha vermelha de Júpiter ou os portentosos anéis de Saturno, não são de fato para sempre –surgiram em algum ponto do passado e podem vir a desaparecer no futuro. O cosmos está sempre em transformação –ocorre que às vezes ela é lenta demais para que a percebamos sem o olhar científico.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.

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