Como um caranguejo inconveniente mostra a importância da ciência de dados

há 1 dia 2

Quem observa as belas paisagens do Noroeste Pacífico, região dos estados de Washington e Oregon, nos Estados Unidos, não imagina que sob a superfície de suas águas uma nova dinâmica ecológica se estrutura. O caranguejo-verde, uma espécie invasora que se estabeleceu na região, vem causando danos ambientais e econômicos e tem tirado o sono de cientistas, gestores e comunidades pesqueiras.

O motivo? O crustáceo se mostrou um predador voraz de ostras, mariscos e caranguejos menores que movimentam o mercado pesqueiro da região, além de destruir bancos de ervas marinhas que servem de berçário de peixes e habitat para aves costeiras.

O problema ainda tem solução. Nem todas as áreas estão tomadas pela espécie e, com estratégias adequadas, é possível conter o invasor. Mas em quais locais as autoridades devem investir recursos? E onde a invasão já é um caso perdido?

A resposta pode estar na ciência de dados. Carl Boettiger, físico e professor da Universidade da Califórnia Berkeley que vem trabalhando no caso dos caranguejos-verdes, explica que a modelagem matemática é uma ferramenta poderosa para auxiliar os tomadores de decisão em cenários de incerteza.

"Por muito tempo a ciência tentou ‘descobrir tudo’ a fim de entregar uma bola de cristal aos gestores, permitindo que eles tomassem decisões informadas, mas não é bem assim que as coisas funcionam", ele diz. "Não importa quanta ciência a gente faça, nunca vamos eliminar a incerteza do mundo. Mas, sabendo os objetivos dos tomadores de decisão, podemos identificar ações que maximizem as chances de obter bons resultados ou minimizem os riscos de um desastre", pondera.

Esse tipo de abordagem também é essencial em projetos maiores, como as metas de conservação 30x30 adotadas pela Califórnia, que visam proteger 30% das áreas verdes do estado até o ano de 2030. Mas quais 30%? Áreas com alta biodiversidade? Ou regiões urbanas, para garantir às pessoas acesso à natureza? E como garantir, ao mesmo tempo, um equilíbrio político e ecológico entre as regiões Norte e Sul da Califórnia?

Os cientistas, que não podem resolver essas questões sozinhos, criaram ferramentas que permitem aos tomadores de decisão explorar, a partir dos dados disponíveis, diferentes cenários de forma rápida. Essas ferramentas foram geradas pela ciência de dados, campo estruturado a partir da intersecção de três áreas: métodos computacionais, modelagem matemática e conhecimento do domínio específico.

"Frequentemente, essas disciplinas são ensinadas separadamente, mas combiná-las é muito mais poderoso", sustenta Boettiger. Indo além, ele acrescenta um quarto elemento: as ciências sociais. "Muitos desses problemas envolvem pessoas, então é preciso haver especialistas que entendam desses aspectos."

No caso dos caranguejos-verdes, a equipe de Boettiger trabalhou com economistas para entender o impacto financeiro da invasão da espécie e também com comunidades pesqueiras locais, já que cada uma tem necessidades e prioridades diferentes. A partir dessas demandas, eles puderam alimentar os modelos e fornecer recomendações para estratégias de combate à invasão. Ou seja, mesmo com incertezas, foi possível apontar os locais onde a resistência ainda é viável e aqueles onde não há mais solução.

"Nosso objetivo não é dizer aos tomadores de decisão o que fazer, mas sim tornar mais rápido e fácil para eles a obtenção das respostas que precisam", conclui o pesquisador.

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Carl Boettiger esteve no Brasil em fevereiro de 2025 para dar aulas sobre modelagem e ciência de dados a alunos da Formação em Ecologia Quantitativa, promovida pelo Instituto Serrapilheira.

Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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