Telescópio no fundo do mar revela neutrino de energia ultrarrápida

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Nas profundezas do mar Mediterrâneo, físicos descobriram evidências de uma partícula subatômica sendo lançada a uma velocidade com a qual eles só podiam sonhar.

"Descobrimos o neutrino mais energético já registrado na Terra", disse o físico Paul de Jong, da Universidade de Amsterdã. Ele é o porta-voz da colaboração global de aproximadamente 350 cientistas envolvidos na descoberta.

A equipe anunciou a descoberta do neutrino de energia ultrarrápida nesta quarta-feira (12) em um artigo publicado na revista Nature. O achado deixa os físicos e astrônomos mais perto de entender o que está lá fora impulsionando partículas a velocidades tão altas.

Em uma entrevista coletiva na terça-feira (11), os pesquisadores descreveram a descoberta como um vislumbre do que o Universo parece em seu estado mais extremo. "Acabamos de abrir uma janela completamente nova", afirmou o físico de astropartículas Paschal Coyle, do Centro de Física de Partículas de Marselha, na França. "É um primeiro vislumbre muito emocionante."

Os neutrinos são notoriamente antissociais. Ao contrário da maioria das outras partículas, eles são quase sem peso e não possuem carga elétrica. Então, não colidem regularmente, repelem ou interagem de outra forma com a matéria. Eles fluem através de quase tudo —as entranhas das estrelas, o turbilhão de poeira das galáxias, pessoas comuns— sem deixar rastros.

Assim, sem impedimentos, os neutrinos apontam diretamente para suas origens, tornando-os excelentes guias para os "aceleradores cósmicos" naturais, ainda desconhecidos, que os criaram. Eles também são espetacularmente elusivos, e por décadas os cientistas trabalharam para capturá-los com instrumentos profundos nas montanhas, sob lagos congelados e enterrados no gelo da Antártida. Mas nenhum neutrino capturado anteriormente se assemelhou a algo como este.

Os cientistas encontraram o neutrino de energia ultrarrápida usando o Telescópio de Neutrinos Kilômetro Cúbico, ou KM3NeT, que ainda está em construção, mas já está em operação. O instrumento consiste em um par de detectores a alguns quilômetros abaixo da superfície do Mediterrâneo, ao largo das costas da França e da Sicília.

Um detector —composto de cordões de esferas que captam luz, espaçados aproximadamente a distância de um campo de futebol e ancorados no leito marinho— estava apenas 10% construído quando um terço de seus sensores acendeu com o flash característico de uma observação de neutrino.

O detector não viu o neutrino diretamente. Em vez disso, detectou traços de uma partícula subatômica diferente, conhecida como múon, criada quando o neutrino colidiu com a rocha ou a água do mar nas proximidades.

Esse múon atravessou o KM3NeT a uma velocidade extremamente rápida, deixando um rastro de fótons azuis brilhantes no abismo escuro do mar. Usando o padrão de luz, bem como o momento de sua chegada em diferentes partes da grade, a equipe deduziu a direção do neutrino original. Eles também estimaram que o neutrino carregava 220 mil bilhões de elétron-volts de energia.

Isso não é maior do que a energia de uma bola de pingue-pongue caindo. Mas a energia de uma bola de pingue-pongue é distribuída por 1.000 bilhões de bilhões de partículas. Aqui, comprimida em um dos menores fragmentos de matéria em nosso Universo, essa energia equivale a dezenas de milhares de vezes mais do que pode ser alcançado pelo principal acelerador de partículas do mundo, o Grande Colisor de Hádrons no Cern.

O telescópio registrou o neutrino de ultrassom em fevereiro de 2023. Mas os pesquisadores precisaram de dois anos para interpretar e analisar os dados, durante os quais oscilaram entre a euforia e o ceticismo.

"Para ser honesto, levou um tempo para cair a ficha", disse o astrônomo de neutrinos Aart Heijboer, do Instituto Nacional de Física Subatômica nos Países Baixos, na entrevista coletiva de terça-feira. Outro cientista disse que a energia da partícula era tão extrema que seus dados totais travaram seu computador.

Antes da descoberta, o neutrino de maior energia já detectado estava em torno de 10 milhões de bilhões de elétron-volts. Esse recorde impressionante na época foi estabelecido em 2014 pelo Observatório de Neutrinos IceCube, uma grade ainda maior de sensores de luz embutidos no gelo antártico.

É raro para um instrumento como o KM3NeT detectar um neutrino tão extraordinário tão cedo em sua vida útil, o que adicionou ceticismo ao resultado. Erik Blaufuss, físico do IceCube na Universidade de Maryland que escreveu um comentário na Nature na quarta-feira, disse que ouviu indícios da descoberta em conferências.

"Acho que houve muita descrença de que isso poderia ser real", afirmou Blaufuss. "Em uma década de observações, não vimos nada parecido com isso."

O KM3NeT teve sorte, de acordo com a astrofísica Naoko Kurahashi Neilson, da Universidade de Drexel --ela não faz parte formalmente da equipe do telescópio, mas tem status de observadora. "É uma prova incrível de que o detector deles funciona bem", disse ela, acrescentando que a detecção de um único neutrino "levanta muito mais perguntas do que responde".

Uma grande questão é que tipo de acelerador cósmico poderia ter gerado partículas tão energéticas. Talvez um buraco negro supermassivo devorando vorazmente o gás e a poeira ao seu redor. Ou talvez uma explosão cataclísmica de raios gama, a forma de luz de maior energia, que ocorre quando o núcleo de uma estrela implode sobre si mesmo.

Tais processos emitem partículas carregadas que podem colidir com a matéria próxima, gerando uma enxurrada de neutrinos que correm pelo cosmos e, às vezes, para os telescópios na Terra. Outra teoria é que essas partículas carregadas interagem com a luz remanescente do Big Bang, criando neutrinos "cosmogênicos" que podem carregar segredos sobre a evolução do Universo.

A equipe do KM3NeT trabalhará para determinar com mais precisão a direção do neutrino, a fim de localizar melhor a origem da partícula. À medida que o telescópio se aproxima da sua conclusão, prevista para 2028, os cientistas esperam que mais neutrinos de energia comparável possam se revelar.

Para De Jong, a descoberta destacou a importância de tentar novos tipos de detecção, como sensores acústicos e de rádio, que podem ser melhores para capturar neutrinos em energias ultrassuperiores.

"Agora, sabemos que esses neutrinos não são apenas previstos", ele disse. "Eles estão lá, são reais."

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