Cinco anos da pandemia: memória e justiça

há 17 horas 2

Cinco anos após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, o país ainda carrega as marcas profundas deixadas pela pandemia. No Brasil foram registradas, oficialmente, 715.295 mil mortes por covid-19, mas especialistas alertam que a subnotificação pode esconder números ainda mais alarmantes, sem contar as centenas de milhares de pessoas que sofrem com as sequelas pós-covid. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo, o impacto superou os 7 milhões de óbitos e atingiu mais de 700 milhões de casos confirmados — um rastro de dor que não pode ser reduzido a estatísticas. Atrás de cada morte há uma família destruída, um vazio insubstituível, uma história interrompida.

O Brasil, que poderia ter adotado medidas eficazes para reduzir o impacto da crise, assistiu ao agravamento da catástrofe não apenas pela natureza imprevisível do vírus, mas pela ação deliberada — ou omissão estratégica — de quem deveria garantir a proteção da população.

O negacionismo teve papel central nesse cenário. A disseminação de desinformação minou a adesão a medidas de contenção, gerou desconfiança sobre a vacinação e deu espaço a tratamentos sem qualquer comprovação científica. Médicos, cientistas e jornalistas que se posicionaram contra essas falsas soluções foram perseguidos, ameaçados e tiveram seu trabalho deslegitimado. Esse fenômeno não aconteceu por acaso, e foi amplificado por figuras públicas que, em vez de promover o enfrentamento responsável da pandemia, preferiram alimentar teorias conspiratórias e atacar a ciência. Pesquisadores que investigavam o coronavírus receberam ameaças de morte, evidenciando que o ataque à ciência foi mais do que retórico, tornou-se uma intimidação concreta à integridade de quem trabalhava para conter a crise.

A aposta em soluções ineficazes também contribuiu para o agravamento do cenário. Estudos que sustentaram o uso da hidroxicloroquina foram posteriormente desmentidos e retratados, mas a insistência do então presidente Jair Bolsonaro e seus aliados em defender o medicamento reforçou a desinformação e desviou a atenção das medidas realmente eficazes no combate ao vírus.

A gestão da pandemia no Brasil foi marcada por um cenário que se encaixa no conceito de necropolítica, desenvolvido por Achille Mbembe. Não se trata apenas de uma condução negligente da crise, mas de uma escolha deliberada sobre quem teria acesso à proteção e quem ficaria exposto ao risco. O governo Bolsonaro rejeitou ofertas de vacinas em um momento crítico, promoveu aglomerações, incentivou o não uso de máscaras e atacou as medidas de contenção. Além disso, espalhou desinformação sobre o coronavírus e a vacinação, contribuindo para a hesitação vacinal.

O acervo intitulado O Necrossistema — Evidências da política da morte na pandemia de covid-19 no Brasil, lançado neste dia 12 de março, apresenta evidências que levam a esse conceito por meio de documentos, declarações e entrevistas realizadas durante a crise sanitária, demonstrando as prioridades políticas que ampliaram a tragédia que levou à morte centenas de milhares de brasileiros. A impunidade ainda assombra os familiares das vítimas.

No entanto, pesquisa realizada pelo Centro SoU_Ciência e pelo Instituto Ideia mostra que a maioria dos brasileiros apoia a apuração das responsabilidades por covid-19 que poderiam ter sido evitadas. Os trabalhos da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO Brasil) e do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Cepedisa/USP) demonstram que a luta por justiça não é apenas um dever moral, mas uma necessidade histórica para que erros tão graves não se repitam. Esquecer a pandemia ou tratá-la como um episódio superado seria um grande equívoco. O Brasil precisa encarar sua responsabilidade, reconhecer suas falhas e garantir que a ciência, a memória e a verdade prevaleçam. Somente assim será possível honrar aqueles que partiram e construir um futuro em que vidas não sejam tratadas como números descartáveis

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