Teles x Big tech: 2025 terá briga bilionária pela expansão da internet

há 3 semanas 4

A partir de 2025, a Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) conduzirá uma discussão que pode tirar o "fair share" do papel, o que deve mudar radicalmente quem paga a conta da ampliação da internet. O processo tem potencial explosivo, pois coloca em cantos opostos teles e as Big Tech, já que são elas as provedoras dos serviços gastões. E o mais curioso é o seguinte: tudo começou para barrar ligações abusivas de empresas de telemarketing.

O que rolou

Qualquer pessoa com uma linha telefônica já deve ter recebido uma delas. São ligações insistentes, duram poucos segundos e promovem algum produto ou serviço. Como são feitas por robôs, passaram a ser chamadas de "robocalls". A partir de 2022, a Anatel entrou em cena para coibi-las:

  • A agência emitiu medidas cautelares para operadoras de telefonia fixa e móvel barrarem as chamadas telefônicas de usuários que façam "uso inadequado" do serviço de telefonia. Por incrível que pareça...
  • ... Está na LGT (Lei Geral de Telecomunicações), em seu artigo 4º, que é dever do usuário utilizar "adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações". Porém...
  • ... Como a legislação não fala o que seria "adequado", a agência fixou um limite para o aceitável: para empresas que fizerem 100 mil ligações por dia, não mais do que 85% de chamadas curtas (aquelas que duram poucos segundos). Só que...
  • ... Essa restrição não foi discutida tecnicamente, apenas imposta para acabar com os abusos --ou ao menos botar freio na farra, algo que contou com outros esforços, como a criação do prefixo 0303, obrigatório para telemarketing, e as multas --muitas e milionárias-- aplicadas aos infratores. Acontece que...
  • ... Para tirar o caráter transitório da medida, a agência começou ainda em 2024 a tomar subsídios sobre o que seria o "uso adequado" da rede. E...
  • ... A partir de 2025, será o momento de o conselho da Anatel estabelecer consulta pública em que empresas, especialistas e outras entidades darão seus pitacos. Mas...
  • ... Onde as Big Tech entram nisso? Por um lado, a LGT deixa claro que as plataformas conectadas não oferecem um serviço de telecomunicação, mas, sim, o chamado "serviço de valor adicionado". Por outro lado, isso não as deixa totalmente fora da supervisão da Anatel, porque...
  • ... A mesma LGT classifica esses provedores como "usuários do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição". Ou seja, eu e você somos tão usuários quanto Netflix e YouTube --aproveite, leitor, não serão tantas vezes na vida que estaremos no mesmo patamar dessas empresas bilionárias.
  • ... A aposta na agência é que as teles aproveitarão esse processo para opinar também sobre o que é "uso adequado" para consumo de banda larga, de modo a qualificar como "inadequado" o comportamento de Netflix, YouTube e companhia. E, a partir daí, sugerir reparações.

Por que é importante

A definição do "uso adequado" da rede é tão ampla que não passará apenas pelas "ligações de robô" ou pelos "serviços de valor adicionado" gastões. É possível que considere abusivo ainda o uso da rede para transmitir conteúdo pirata —alô, gatonet— ou casas de apostas que não estejam em acordo com as regras do governo federal. Além disso, o processo será longo. Deve tomar o ano todo até que o conselho diretor da Anatel chegue a alguma resolução.

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De todo modo, as teles entrarão no debate com dados sobre o comportamento do tráfego da rede. E eles mostram um quadro pouco favorável para as Big Tech. Segundo o Relatório Global de Fenômenos da Internet, divulgado pela Sandvine, o estado geral das coisas é o seguinte:

  • Grandes serviços consomem 56,1% do tráfego global da internet (dados de 2022). Individualmente, estamos falando de...
  • ... Netflix (14,9%), YouTube (11,6%), Disney+ (4,5%), TikTok (3,9%), PSN (3%), Xbox Live (2,9%), Facebook (2,9%) e Amazon Prime Video (2,8%).

Por outro lado, só no Brasil, as três maiores teles (Claro, TIM e Vivo) investiram R$ 21,87 bilhões na ampliação da rede somente em 2023.

Não é bem assim

No último Painel Telebrasil, evento organizado pela Conexis, que congrega as teles, o "fair share" foi assunto recorrente nas declarações dos executivos, inclusive na fala do presidente da organização, Christian Gerbara, também CEO da Vivo.

Para representantes das Big Tech, discutir o assunto a sério, ainda que de forma remota, é quase que inviável. Na visão deles, não fossem os seus serviços oferecidos, os chamados "killer apps", os consumidores não veriam tanto valor assim na banda larga e talvez contratassem menos os pacotes de dados vendidos pelas teles.

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Não estão errados. Quando vendiam minutos para chamadas telefônicas, as teles tinham um teto imposto pelas 24 horas do dia. Agora, o céu é o limite, que é empurrado para adiante a cada nova aplicação tecnológica. Não está claro se a inteligência artificial fez as pessoas gastarem mais dados. Mas é notório o salto no tráfego toda vez que uma plataforma de streaming passa a rodar vídeos em 4K. O raciocínio, no entanto, esconde providencialmente um detalhezinho: os tais serviços conectados seriam tão matadores assim se não fossem as infovias construídas pelas teles?

Provavelmente, ninguém vai admitir, mas essa discussão também é sobre qual ala colhe os louros da internet e qual é mandada ir plantar batata quando algo dá errado. Afinal, que empresa você xinga quando o serviço de streaming deixa de carregar o último episódio da sua série favorita?

Reportagem

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