Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia e Ednaldo Rodrigues de Almeida Filho: 'Quando a esmola é demais, o santo desconfia'

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O mandado de segurança é um instrumento de proteção, utilizado como um remédio constitucional para assegurar direito líquido e certo não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade do ato ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Sua origem no Brasil data de 1934, após a restrição de utilização do habeas corpus para proteção de direitos e garantias fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 inovou o ordenamento jurídico ao possibilitar a utilização de mandado de segurança para defesa de interesses transindividuais (coletivos e difusos), atribuindo condição constitucional à concessão de tutela coletiva com ampliação do rol de legitimados para sua propositura. O mandado de segurança coletivo pode ser utilizado por partido político com representação no Congresso Nacional. Também pode ser utilizado por organização sindical, entidade de classe ou associação, nestes casos, o mandado de segurança coletivo tem a função de reduzir o acúmulo de ações judiciais em que se discutem temas de interesse coletivo. Devido às relações tributárias, esse instrumento acabou ganhando força, especialmente considerando a extensão dos efeitos e o poder de suas decisões.

Durante muitos anos, foi questionada a necessidade de autorização expressa dos representados e da apresentação, no momento da impetração do mandado de segurança coletivo, da relação nominal dos substituídos processuais representados pelos sindicatos e associações. Tais discussões foram superadas após o julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça). No ARE 1.293.130-SP, o STF entendeu ser desnecessária a autorização expressa dos associados. No AgInt no REsp 1.841.604-RJ, o STJ dispensou a apresentação da relação nominal dos associados no momento da impetração, considerando irrelevante se a filiação ocorreu antes ou depois da impetração.

Em matéria tributária, as repercussões desses julgados são muito relevantes, especialmente porque nesses precedentes não se esclareceu se há ou não um limite temporal para a associação ou filiação, nem quais as repercussões processuais para fins de contagem do prazo prescricional da recuperação de créditos tributários.

No atual contexto de total discricionaridade nas modulações de efeitos das decisões em sede de recursos repetitivos pelos Tribunais Superiores, em que decisões são moduladas sem a observância dos critérios legais (artigo 927, § 3º, CPC: preservação do interesse social e da segurança jurídica), essa lacuna legislativa e jurisprudencial impulsionou o surgimento de um novo mercado: o de venda de decisões judiciais tributárias favoráveis mediante a simples associação e filiação tardia de contribuinte a associações ou sindicatos.

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Esse mercado ficou ainda mais aquecido após o julgamento da Tese da Limitação da Base do Sistema S (Tema STJ 1.079) em meados de outubro de 2023, na qual estamos diante da questionável proposta de modulação de efeitos adotada pelo STJ, onde apenas quem possuía decisão favorável, quando do início do seu julgamento, poderia recuperar os valores do passado em discussão. Desde então, a empresa que não foi abordada para se associar ou filiar-se a determinada associação ou sindicato, que alega possuir decisão favorável dessa tese, que levante a mão! A caça predatória de venda de decisões judiciais favoráveis em mandados de segurança coletivo foi fomentada neste ano e aparentemente está fora de controle.

Diante desse cenário, surge o alerta de risco: muitas empresas passaram a ser abordadas com ofertas de associação tardia e, em muitos casos, mesmo após o trânsito em julgado de mandado de segurança coletivo, mediante o pagamento de altos valores de honorários advocatícios, com o único objetivo de sugestionar o aproveitamento de decisão judicial em favor dos beneficiários das associações.

No entanto, parece-nos que conferir efeitos patrimoniais retrospectivos aos associados tardios, autorizando-os a repetir indébitos tributários relativos a fatos geradores ocorridos nos cinco anos anteriores à impetração (quando, repita-se, esses mesmos sequer eram associados), representa uma burla aos prazos prescricionais em matéria tributária e coloca os contribuintes em risco ao se aproveitarem de valores "em tese" assegurados por decisão judicial anterior.

Não se desconhece a validade e a regularidade da reunião de associados e filiados se utilizarem de mandado de segurança coletivo para defesa de direitos em matéria tributária. Não há nada de errado nisso. Porém, ao se utilizar do mandado de segurança coletivo como um instrumento comercial de decisões judiciais, visando apenas a associação e filiação de contribuintes para aproveitamento de decisão favorável não parece ser o caminho mais adequado, além de ser muito mais perigoso: há problemas de validade da associação, de representatividade dos contribuintes, de prazos e prescrição, além de prova documental que podem prejudicar e expor o futuro aproveitamento e compensação dos créditos em discussão.

Por isso, a recomendação é cautela. Considerando que as repercussões do aproveitando indevido de créditos tributários que podem doer muito no bolso do empresário, é importante sempre estar bem assessorado por profissionais jurídicos sérios e de confiança que possam avaliar e orientar sobre o melhor caminho a ser seguido.

Não há o que temer quando se é membro de uma associação que tem como intuito a defesa dos interesses comuns de uma categoria. Mas é importante não se aventurar em promessas de associações, sem representatividade, apenas para ganhos imediatos, apenas pela expectativa de aproveitamento de decisão judicial favorável. O conselho é sempre duvidar e questionar, afinal, como diz o ditado "quando a esmola é demais, o santo desconfia!".

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