Uma empresa de biotecnologia americana modificou 20 regiões do DNA de lobos modernos para criar filhotes com características semelhantes à dos chamados lobos-gigantes (Aenocyon dirus), um predador que desapareceu do planeta há cerca de 10 mil anos. Por enquanto, três filhotes estão sendo criados pela companhia numa propriedade rural dos Estados Unidos.
O feito, embora seja tecnologicamente impressionante, está muito longe de equivaler a uma "desextinção" dos lobos-gigantes, ao contrário do que afirmou em comunicado a empresa Colossal Biosciences.
Os responsáveis pela criação dos lobinhos falam em trazer de volta as "características funcionais" da espécie da Era do Gelo, como seu tamanho (até 25% maior que a média dos lobos atuais) e a pelagem espessa e branca. Mas 20 modificações no DNA ainda é pouquíssimo perto das milhares de regiões funcionais do genoma de mamíferos como lobos ou seres humanos, e é muito difícil saber quais delas são as mais importantes para os traços únicos de cada espécie.
A Colossal é a mesma empresa responsável por outro anúncio bombástico recente, com script muito parecido: a criação de "camundongos-mamutes" em laboratório, cuja pelagem imitava, em alguns aspectos, o tom arruivado e as mechas espessas de pelos vistos nos mamutes-lanosos, talvez a mais famosa espécie extinta de elefantes.
Tal como no caso do Aenocyon dirus, também conhecido como lobo-terrível, a equipe ainda está muito distante de produzir um animal com material genético 100% derivado de um mamute da Era do Gelo. Eles conseguem, no entanto, analisar o DNA obtido de fósseis e, a partir desses dados, induzir modificações em alguns genes com precisão, imitando, assim, traços do elefante peludo desaparecido.
Trabalhar com uma espécie aparentada aos cães e lobos modernos facilita esse tipo de projeto, em certa medida, porque a tecnologia para clonar animais desse grupo está relativamente bem dominada – faz cerca de 20 anos que o primeiro clone de cachorro foi produzido, e o mercado de animais de estimação de luxo traz certo estímulo para a prática.
A equipe liderada pelos geneticistas Beth Shapiro e George Church trabalhou a partir do DNA de dois indivíduos da espécie extinta, com 72 mil anos e 13 mil anos de idade, achados nos EUA. Os dados serviram de base para que eles escolhessem um conjunto de 20 modificações em 14 genes diferentes (cada gene costuma corresponder, grosso modo, à receita para a fabricação de uma proteína do organismo).
É como se o DNA dos lobos modernos fosse o projeto de fabricação de determinado modelo de carro. Na hora da fabricação, a ideia é que as células usassem o projeto de outro modelo de carro – no caso, o do organismo dos lobos-gigantes. Nasceriam, então, filhotes "customizados" semelhantes, em alguns aspectos, ao "modelo antigo".
Na prática, isso é muito mais complicado do que parece. Tanto é assim que, no caso de cinco das regiões do DNA modificadas, não foi possível usar diretamente a informação genética do Aenocyon dirus.
Acontece que, se as alterações que influenciam a produção da pelagem branca fossem inseridas daquele jeito no genoma de lobos modernos, havia o risco de que os filhotes nascessem cegos e/ou surdos. Por isso, os pesquisadores tiveram de formular outras modificações para chegar ao resultado desejado.
Depois de alterar o DNA de células obtidas de lobos adultos e multiplicá-las em laboratório, o núcleo delas (que carrega o material genético) foi transferido para dentro de óvulos sem núcleo, no mesmo processo usado para criar clones como a ovelha Dolly. Algumas dessas transferências deram origem a embriões, que passaram por uma triagem. Os considerados mais promissores foram implantados no útero de cadelas de grande porte, que serviram como mães de aluguel.
A Colossal não revelou, em seu comunicado de imprensa, quantas gravidezes ocorreram no total, nem o estado de saúde das fêmeas. O New York Times fala em dezenas de gestações, das quais nasceram quatro filhotes. Um deles morreu com uma ruptura no intestino aos dez dias de vida.
Os outros três ainda estão vivos. São os machos Romulus e Remus, nomes em latim dos fundadores de Roma (segundo o mito, amamentados por uma loba), e a fêmea Khaleesi. O nome é um dos epítetos da personagem Daenerys Targaryen, da série de fantasia "Game of Thrones". Com efeito, lobos-gigantes são figuras importantes da saga, e o autor dos livros da série, o americano George R.R. Martin, é um dos investidores da companhia.
Os animais estão sendo criados no que equivale a uma mistura de reserva ecológica de luxo com prisão de segurança máxima, com muito espaço, mas também cercas, câmeras e drones por todo o lado, além de uma equipe de veterinários que os acompanha o tempo todo. Por ora, seu tamanho é cerca de 20% superior ao da média de lobos da mesma idade.
A equipe diz que seria possível pensar em transferir esses indivíduos e outros lobos modificados para reservas naturais maiores, desde que com controles adequados. Talvez o grande problema para isso, entretanto, seja o fato de que o habitat dos lobos-gigantes não existe mais faz 10 mil anos. Acredita-se que eles eram especialistas em capturar os mamíferos gigantes da Era do Gelo, como imensas preguiças e mamutes, que desapareceram do continente americano mais ou menos na mesma época.