O recente julgamento do RE 1.253.340 (Tema 1.068) pelo STF é um retrocesso na garantia fundamental da presunção de inocência. Ao autorizar a execução imediata de uma condenação em crimes específicos, no caso crimes contra a vida, independentemente do total da pena, o STF institui exceção à garantia constitucional da presunção de inocência. Diz, com isso, que os condenados pelo Tribunal do Júri não são dignos de garantias constitucionais.
O Tribunal do Júri, muitas vezes exaltado como uma manifestação de soberania popular, torna-se, sob essa ótica, uma ferramenta desvirtuada legitimada à punição veloz. E a soberania, que é prevista constitucionalmente e consiste na autoridade dos jurados para decidir sobre a materialidade do crime e sua autoria, não pode se confundir com autoridade imediata para o cumprimento da pena.
A Constituição diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). O STF delimita a atuação da Constituição e diz que, para os réus do Júri, a regra é a execução provisória da pena.
A decisão baseou-se, em parte, em um dado estatístico: o baixo índice de reformas das decisões condenatórias do Júri pelo Tribunal de Justiça de São Paulo —cerca de 3,5% dos casos. Entretanto, ao admitir que esse percentual é inexpressivo, o STF ignora que, ainda assim, estamos falando de 3,5% de condenações injustas, com inícios prematuros de cumprimento de pena, sem que o processo tenha se encerrado de forma definitiva. Ou seja, danos colaterais foram aceitos em nome de uma suposta "máxima efetividade" à soberania dos veredictos.
A decisão cria ainda uma brecha que atinge especialmente os que já são mais vulneráveis ao sistema penal: pobres, negros e marginalizados. Esses grupos, estatisticamente mais sujeitos a serem julgados em processos criminais, tornam-se as principais vítimas de uma política penal que, sob o pretexto de conferir eficácia à soberania dos veredictos, perpetua a seletividade do sistema punitivo.
Além disso, o Diagnóstico das Ações Penais de Competência do Tribunal do Júri, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, revelou que 47,9% dos casos julgados pelo Tribunal do Júri resultam em condenação. Embora esse dado possa sugerir uma aparente eficiência, é importante atentar para as dinâmicas processuais e os potenciais déficits na qualidade da defesa. Isso é especialmente preocupante quando se considera que o STF, ao referendar a execução imediata da pena, parece desconsiderar que muitos desses réus já enfrentam dificuldades no acesso a uma defesa técnica adequada.
A eficiência da justiça criminal não pode ser medida pela rapidez com que a pena é aplicada, mas sim por sua capacidade de assegurar um processo justo e igualitário. O STF, ao criar a exceção para os condenados pelo Tribunal do Júri, desconsidera as complexidades sociais e históricas que moldam o sistema penal brasileiro. Em vez de promover justiça, a decisão reforça a percepção de que o direito penal está mais preocupado em punir com velocidade, do que em proteger direitos e garantias.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Thais Rego e Igor Leone, foi "Será", de Legião Urbana.