"Sintonia" chega ao fim nesta quarta-feira (5) como a maior franquia original da Netflix no Brasil, a única produção brasileira da plataforma a chegar às cinco temporadas. A série foi a primeira da Netflix a abordar a periferia de São Paulo a partir da relação entre crime, religião evangélica e música, com um enredo que aproxima a realidade do público da vivida pelos personagens.
Para a diretora de séries de ficção da Netflix, Haná Vaisman, a longevidade da produção se dá ao retorno do público e sua identificação com o trio de amigos. Além da repercussão nas redes sociais, a resposta apareceu na audiência —em 2023, "Sintonia" se tornou a série de língua não-inglesa mais assistida do serviço.
A ideia era simples: KondZilla, Felipe Braga e Guilherme Quintella fizeram uma apresentação para a Netflix oferecendo a história de três personagens que cresceram juntos na favela, cada um vindo de um universo. A empresa bancou a aposta para ter uma produção que abordasse essa temática. A direção ficou a cargo de Johnny Araújo.
"Em 'Sintonia', queríamos um olhar de dentro para fora, e nunca de ser voyeur da periferia. A religião está muito presente na periferia, o crime também, por falta de oportunidades. Então, a gente sempre tomou muito cuidado para não entrar em julgamento", diz o diretor.
Agora, seis anos após a surpresa com a primeira temporada, "O Último Corre" consolida a relação entre os universos de Nando, papel de Christian Malheiros, Rita, interpretada por Bruna Mascarenhas, e Doni, de Jottapê, tendo o amadurecimento como fio condutor do desfecho das personagens.
De acordo com Vaisman, a decisão de encerrar a série na quinta temporada se deu pelo entendimento de que estender a trama poderia comprometer a veracidade da história. "Desde o começo, a gente sentia que a série não ia ter um arco tão extenso pela própria natureza de vida dos personagens, principalmente o Nando, que tem uma vida no crime", conta.
Na nova temporada, que se passa quatro anos depois dos últimos aconteciementos, as escolhas de Nando serão atravessadas pelo desejo de liberdade e o sonho de voltar a estar com a família —o traficante é preso na quarta temporada. Ao se encontrar em lugar extremo, com sua vida posta em risco, o personagem vê desabrocharem emoções que não costumava mostrar.
"O Nando está nesse lugar da possibilidade da morte, e isso faz com que ele se sinta frágil. Foi maravilhoso poder mostrar um lado que em quatro temporadas a gente viu pouco, porque a gente descontrói esse lugar do bandidão. Esse cara tem medo! A gente humaniza um personagem negro que tem tudo para ser visto pelo estereótipo", afirma Christian Malheiros, 25.
O ator foi criado na periferia de São Vicente, em São Paulo, e diz ter se inspirado em amigos e familiares para construir o personagem.
"Com o Nando, consegui trazer essa sensibilidade, esse lugar de reflexão no público. Muitas pessoas me abordam e falam: 'Nossa, mas eu tô torcendo pro bandido, me sinto mal'. Mas é porque ele não é só um bandido, ele é o pai, o amigo, o esposo."
A vivência Rita, por sua vez, traz a religião à tona. Dessa vez, a personagem já construiu os pilares de sua fé e parece ter incorporado alguns ensinamentos da igreja sem se prender aos dogmas. "Agora a gente vê uma Ritinha madura, que não dá as costas para os seus, mas põe sua índole em primeiro lugar nas escolhas", afirma Mascarenhas, de 30 anos.
A atriz foi criada na Igreja Católica e já frequentou religiões como umbanda, budismo e espiritismo ao longo dos anos, mas teve conflitos em entender as mudanças de Rita na série ao se tornar evangélica. "Para mim, era muito importante entender quando falava sobre o perdão. Eu achava meio clichê", diz.
Ela teve ajuda do irmão, que é evangélico, nesse período. "A Bíblia também me ajudou a sair do estereótipo e entender o que a Rita tava sentindo. O ator precisa trabalhar sua empatia."
Para o produtor executivo Caio Gullane, a veracidade transmitida pela trama se deve também à formação de uma equipe diversa, com consultores sobre os mais variados temas —prosódia (para a linguagem do crime), formação do sistema penitenciário, vivência evangélica, termos jurídicos, além da música.
O lado musical, aliás, tem grande peso na história. Além de representar o sonho de Doni, a música valoriza a cultura periférica e faz parte da narrativa de uma favela menos estereotipada, geralmente associada apenas à criminalidade e aos problemas sociais.
"Desde a primeira temporada, junto com DJ Zegon e o Lounge, e com o olhar do KondZilla, a gente construiu hits especificamente para a série. Isso é muito bacana, porque a gente vê um personagem fictício inventando uma música e ela vira chiclete", afirma Gullane.
Cantor, compositor e ator, Jottapê, de 24 anos, afirma ter levado para seu personagem uma vivência com o processo de composição. Outro aspecto compartilhado entre os dois é a fé. "Eu sou cristão e é a mesma crença do Doni. A gente ficou muito alinhado espiritualmente também. Consegui trazer muito do que eu acredito para o personagem", diz.
Durante sua apresentação no festival "Sintonia: O Último Baile", realizado pela Netflix no Memorial da América Latina, Jottapê, que é evangélico, anunciou sua aposentadoria do funk. O evento gratuito reuniu mais de 10 mil pessoas.