Sidney Molina: Celebração aos 150 anos de Arnold Schoenberg é tímida e pouco criativa

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Nascido em Viena há 150 anos, Arnold Schoenberg (1874-1951) figura por consenso em todas as listas de compositores fundamentais do século 20. Sua música, entretanto, segue sendo pouco tocada e ouvida.

Conhecido por ir além das fronteiras da tonalidade —o sistema musical que surgiu no século 17 e que ainda reina soberano na música que escutamos hoje, seja ela clássica ou popular—, ele talvez seja, dentre os grandes compositores, um dos que mais amedronta os ouvintes.

Não é simples explicar por que isso ocorre: afinal, Schoenberg foi um modernista que viveu no mesmo mundo de artistas inovadores hoje totalmente aclimatados na cena mundial, como Kandinsky (de quem foi amigo), Proust, Klee, Picasso, Joyce e Kafka.

A obra do jovem Schoenberg concilia brilhantemente os dilemas de Johannes Brahms e Richard Wagner, tidos por antípodas no alto romantismo. Um exemplo é "Noite Transfigurada" para sexteto de cordas, escrita aos 25 anos.

A partir da "Sinfonia de câmara nº 1" (1906), ainda nos limites da tonalidade, adquire uma voz poética forte, admirada por Gustav Mahler e Richard Strauss. Ele passa a recusar a grandiosidade romântica —que chegou a exercitar— e passa a buscar a concisão comprimida de obras em que todos os movimentos se entrelaçam num só.

Entre 1909 e 1913 ele produz obras livremente atonais, a saber, cuja disposição de notas e acordes já não encontra explicação pelo sistema fundado nos modos maior e menor. É a sua fase expressionista, que chega ao cume com "Pierrot Lunaire", ciclo de canções em que a voz atua num registro de canto falado ("Sprechgesang").

Após vivenciar uma crise criativa —e a Primeira Guerra Mundial— o compositor resolve o impasse técnico ao conceber, beirando os 50 anos, um sistema que o permitiu atingir a sonoridade que almejava.

Ele passou a criar séries que incluíam todas as 12 alturas disponíveis —as teclas brancas e pretas de um teclado, no espaço de uma oitava—, as quais dispunha em certa ordem, e a partir da manipulação dessa série, chamada dodecafônica (de 12 sons), construía melodias, acordes e frases sonoras. O som resultante não é mais inusitado do que o já praticado por ele e seus alunos nos anos anteriores.

Obras vocais, corais, orquestrais, música de câmara e óperas serão escritas nesse sistema, mas isso não é o mais importante. O que conta é a especificidade de cada obra, sua complexidade vital, as ideias e emoções que provoca, seu acabamento artesanal, enfim, a capacidade de dialogar consigo mesma e com o em torno.

No Brasil as homenagens ao artista têm sido pontuais e tímidas. A Osesp fez em abril o poema sinfônico "Pelléas e Mélisande" e a Filarmônica de Minas Gerais toca "Noite Transfigurada" em novembro.

Somente o Theatro São Pedro teve coragem de programar uma obra atonal: neste final de semana, apresenta "Pierrot Lunaire", tendo Laiana Oliveira como cantora solista e coreografia especialmente concebida por Anselmo Zolla.

Se a Filarmônica de Nova York não foi muito além das orquestras brasileiras, Berlim e Viena prepararam homenagens sólidas, e com continuidade ao longo do ano. Os grandiosos "Gurrelieder" —também programados nesta semana pelo teatro Colón, de Buenos Aires— serão apresentados no Musikverein de Viena, mesmo local em que a obra estreou em 1913. Em sua cidade natal, que também abriga o Arnold Schoenberg Center, foi igualmente agendado um ciclo integral de seus quartetos de cordas.

Em Berlim, onde ele morou e trabalhou em três diferentes períodos, a programação é criativa, e propõe diálogos de sua obra com a de precursores (como Brahms) e sucessores (o contemporâneo John Adams), com performances de obras emblemáticas lideradas pela violinista Isabelle Faust.

Londres e Amsterdã também escaparam do marasmo: no Concertegebouw holandês um tríptico schoenberguiano incluiu o espetacular monodrama "Erwartung" (espera); e um belo programa da London Sinfonietta traz a "Sinfonia de Câmara nº 1" e as "Peças para Piano" opus 19 convivendo com obras dodecafônicas.

Com a ascensão do nazismo, em 1933, ele foi obrigado a se demitir da Academia de Artes de Berlim, onde trabalhava, e, com quase 60 anos, emigra para os Estados Unidos, não sem antes, em gesto simbólico, reconverter-se à fé judaica.

Com esposa e filhos pequenos, o músico foi acolhido pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde trabalhou até se aposentar.

Sensível a um mundo em frangalhos, fiel a princípios que o mobilizaram por toda a vida, Schoenberg produziu uma música que, para além da superfície, reserva belezas e surpresas. Urge praticá-la e escutá-la.

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