Lidar com matemática ou língua portuguesa é um prazer danado, e eles podem provar.
A Casa Folha abriu sua programação da Flip nesta sexta (11) com "dois homens apaixonados", Sérgio Rodrigues pela língua portuguesa, Marcelo Viana pela matemática, como definiu a repórter Paola Ferreira Rosa, mediadora da mesa "ABC, 123".
A dupla de colunistas da Folha escreve sobre esses campos que tantas vezes assustam alunos, e também marmanjos, dado o grau de complexidade que podem alcançar.
Rodrigues começou sua fala elogiando a iniciativa de juntar duas tribos que muitas vezes se tomam por antípodas, as galeras "de humanas" e "de exatas".
"Jornalistas têm essa missão até civilizatória de serem pontes entre um saber muito especializado, que tende a criar seus próprios códigos e jargões que dificultam acesso de leigos", disse. "Em casos mais extremos, repelem mesmo o leigo."
Claro que também cabe à academia fazer a lição de casa e reverter "o déficit grande de comunicação com a sociedade". Falando agora da sua turma: "Existe autocrítica forte e severa nos meios linguistas de que alguma coisa falhou. Há concepções fechadas e pouco generosas, muito carrancudas, muito ligadas à cultura do erro, da pegadinha, do que vai tirar ponto na prova".
Assim fica difícil. "Como se a língua fosse uma gincana chata, quando a meu ver é um parque de diversões."
Não deveria ser. O método pedagógico "mata muito inicialmente a ideia de prazer", e aí "a alegria vai sendo esterilizada pelo ensino", apontou.
Viana comentou sobre um estudo que revelou como bebês menores de um ano já têm capacidade para assimilar noções matemáticas. "Existe uma concepção já desbancada de que as pessoas nascem com predisposição a alguma área", disse. "Isso é falso."
Ninguém nasce com vocação para uma coisa ou outra, sustentou o autor de "Histórias da Matemática" (Tinta da China). O cérebro é plástico, "e você faz com ele o que você quiser". São as experiências que temos nos primeiros anos de vida que nos impactam e moldam nossas preferências futuras.
Para provar como a matemática é útil no dia a dia, e até intuitiva, Viana saca exemplos como a criança que mede se o tamanho da pizza do irmão está maior.
O desafio, afirmou, é "convencer as pessoas de que não é difícil". "Quem tem medo de usar matemática e trava na hora de fazer um cálculo de juros não está exercendo sua cidadania de forma plena.
Ele também falou sobre o ChatGPT —que não usa— e outras inteligências artificiais criadas em parte com contribuição do seu campo. "A matemática tem um bocado de culpa por estar onde estamos", disse.
O diretor-geral do Impa, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, lembrou de quando especialistas achavam que "nunca uma máquina ia ganhar de um humano jogando xadrez", porque ela "nunca seria melhor que o professor", e foi o homem que ensinou o computador. "Você sabe onde foi parar essa certeza absoluta."
Bastaram nove horas para que um algoritmo novo virasse campeão mundial de xadrez, e sem nenhum humano que o ensinasse as manhas do jogo. A máquina aprendeu jogando o equivalente a 200 milhões de partidas consigo mesmo. "O potencial da IA para invadir todos os segmentos é enorme."
A prosa de Rodrigues versou sobre os vaivéns da língua portuguesa, passando pela origem africana de muitas palavras incorporadas à versão brasileira dela. Vide "fofoca". "Nosso modo de pronunciar palavras tem muito a ver com o banto."
O autor de "Viva a Língua Brasileira!" (Companhia das Letras) criticou trupes conservadoras que veem na reapropriação da língua herdada dos colonizadores como destruição de patrimônio. Passados dois séculos da independência do país, ainda há "quem se veja como falantes de segunda ordem de uma língua, como se a gente estivesse aqui estragando a lingua portuguesa", disse. "Caramba, essa língua é nossa."