Sensível ao apelo de um jovem, Dalton Trevisan criou figura inviolável para si

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Eram três horas da tarde de um dia frio, de julho, em Curitiba. Na praça, em frente ao Teatro Guaira, um homem de cabelos grisalhos, aparentando cinquenta e poucos anos, esperava me na porta da Livraria Curitiba. Seu nome: Dalton Trevisan, o "vampiro de almas e corações solitários".

O ano era 1986, eu estava com 23 anos, terminando o curso de jornalismo. Havia me valido de um conhecimento distante de família para abordar o "vampiro" na véspera pedindo uma conversa. Não era uma entrevista, mas um grito de socorro como o jovem Franz Xaver Kappus fez com Rainer Maria Rilke. Eu queria ser escritor e buscava conselhos do mestre do conto.

Sensibilizado com meu apelo, Trevisan marcou um encontro para o dia seguinte. E lá estava ele na porta da Livraria Curitiba me esperando.

Nosso encontro começou entre as estantes da livraria. Trevisan mostrou "Dom Casmurro", de Machado de Assis, e disparou: "Esse livro, junto com a Bíblia, são os únicos que qualquer candidato a escritor não pode deixar de ler".

Saímos dali e fomos dar uma volta pelo calçadão da Rua Quinze. No caminho, Dalton falou da importância da infância na formação de um escritor. Como Rilke, o escritor curitibano considerava os sofrimentos da primeira fase da vida fundamentais. "Esse tesouro de recordações vai moldar a sua escrita", disse.

Trevisan falou de cinema, sua arte preferida depois da literatura. Citou Woody Allen. "Manhattan e uma obra de arte", disse. "Allen também se valeu das experiencias traumáticas, de um jovem marginalizado, para formar sua obra".

Encontramos o também escritor Felicio Raitani Neto, amigo de Trevisan, e entramos num bar para comer empadinhas e beber cerveja preta. Nesse bar, o "Vampiro de Curitiba" costumava garimpar seus personagens entre um gole e outro.

Trevisan considerou que numa cidade grande como São Paulo, a inspiração possa chegar com mais facilidade a um escritor. Mas ali, na provinciana Curitiba, em suas palavras, "as aberrações aparecem menos diluídas".

Já era final de tarde quando me despedi do vampiro. Agradeci pela experiência. Ele foi rápido na resposta: "No teu lugar teria preferido conhecer uma mocinha bonita, mas enfim..."

De volta a São Paulo, passei nossa conversa para o papel e, depois, o texto chegou às mãos de um editor do Jornal do Brasil e foi publicado em seu Caderno B, em agosto daquele mesmo ano.

Trevisan não perdoou a violação da sua intimidade e me dedicou um conto chamado "Chupim Crapuloso". A inviolabilidade de Dalton Trevisan fazia parte de um personagem criado por ele para si mesmo.

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