Segredo de tubarão de 400 anos pode estar em seus genes de reparação

há 6 meses 16

O tubarão-da-Groenlândia não é exatamente carismático. Sua estrutura corpulenta é coberta por uma pele áspera como lixa. Suas barbatanas, atrofiadas, ficam desajeitadamente ao longo dos lados. E seus olhos, perpetuamente turvos, muitas vezes abrigam parasitas semelhantes a vermes que pendem enquanto o tubarão vagueia lentamente pelas profundezas dos oceanos Atlântico Norte e Ártico.

Mas, deixando a aparência de lado, a espécie tem uma capacidade surpreendente: pode viver até cerca de 400 anos. Agora, uma equipe internacional de cientistas da Europa e dos Estados Unidos mapeou o genoma do tubarão-da-Groenlândia, oferecendo aos cientistas uma oportunidade de descobrir o segredo da longevidade excepcional do tubarão.

"Qualquer pesquisa sobre os mecanismos de como este animal é capaz de viver por tanto tempo precisará em algum momento da sequência do genoma", disse Steve Hoffmann, biólogo computacional do Instituto Leibniz sobre o Envelhecimento e da Universidade Friedrich Schiller de Jena, na Alemanha, que liderou a pesquisa.

As descobertas, publicadas como pré-impressão no bioRxiv, fornecem uma montagem abrangente da composição genética do tubarão. Elas também oferecem insights iniciais sobre os genes específicos e mecanismos biológicos, incluindo uma rede de genes duplicados envolvidos na reparação do DNA, que podem ser responsáveis pela longevidade excepcional do tubarão.

Os cientistas descobriram que os tubarões-da-Groenlândia possuem genomas muito grandes: cerca de 6,5 bilhões de "pares de bases" de DNA, ou blocos de construção —cerca de duas vezes mais do que os humanos, e o maior genoma de qualquer outro tubarão sequenciado até hoje.

"Não teríamos adivinhado que fosse tão grande", disse Arne Sahm, bioinformático do Instituto Leibniz sobre o Envelhecimento e da Universidade Ruhr de Bochum, que foi o autor principal do estudo.

Surpreendentemente, mais de dois terços do genoma eram compostos por genes repetidos conhecidos como elementos transponíveis, ou genes saltadores. Esses genes se inserem em outros e se autorreplicam através de um mecanismo de copiar e colar. Ao fazer isso, muitas vezes interrompem o funcionamento normal dos genes e podem causar mutações, deleções ou duplicações, o que pode levar ao desenvolvimento de doenças ou problemas de desenvolvimento no organismo.

"Esses são parasitas, parasitas genômicos", disse Hoffmann. "Eles têm uma reputação bastante ruim."

As descobertas levaram os pesquisadores a se perguntar como os tubarões poderiam viver tanto tempo se carregassem um número tão alto desses genes prejudiciais. Eles propuseram que o tubarão-da-Groenlândia poderia ter evoluído uma maneira única de sequestrar a maquinaria desses genes saltadores para duplicar genes envolvidos na reparação do DNA.

"Esses são animais que vivem mais do que os seres humanos, e fazem isso na natureza, sem medicamentos ou hospitais ou cuidados de saúde", disse João Pedro de Magalhães, biólogo molecular especializado em envelhecimento da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que não esteve envolvido no estudo.

Estudar os tubarões, acrescentou ele, pode ajudar os cientistas a um dia "desenvolver terapias contra o câncer ou medidas de prevenção, ou uma compreensão fundamental maior do câncer que levará a benefícios clínicos" nos humanos.

A notável longevidade do tubarão veio à tona pela primeira vez em 2016, quando um estudo marcante publicado na Science usou métodos de datação por radiocarbono e técnicas de modelagem para estimar as idades de 28 tubarões-da-Groenlândia.

Os pesquisadores descobriram que os tubarões mais velhos poderiam viver cerca de 400 anos e atingiam a maturidade sexual por volta dos 150 anos.

Nos últimos cinco anos, pelo menos três equipes têm corrido para produzir um genoma completo do tubarão.

Hoffmann e seus colaboradores foram os primeiros a publicar o genoma do tubarão, que cobre cerca de 92% de todo o seu DNA.

"Não sabíamos nada antes sobre seu genoma, e agora temos uma sequência completa do genoma", disse Steven Austad, biólogo da Universidade do Alabama em Birmingham, que não esteve envolvido no estudo.

Chegar a esse estágio exigiu um extenso trabalho de campo, incluindo várias expedições nas costas da Groenlândia, onde membros da equipe capturaram tubarões-da-Groenlândia, os eutanasiaram e coletaram amostras de tecido de suas medulas espinhais.

Essas amostras de tecido foram então armazenadas a baixas temperaturas e enviadas ao Instituto Leibniz, onde o DNA foi extraído, sequenciado e comparado com o de outros tubarões. No final, a equipe sequenciou o DNA do tecido cerebral de um tubarão.

Uma descoberta chave identificou uma rede de 81 genes que foram encontrados apenas em tubarões-da-Groenlândia e que desempenhavam um papel na reparação do DNA

Os pesquisadores hipotetizaram que genes regulares de reparação do DNA haviam evoluído para explorar a maquinaria dos genes saltadores a fim de copiar e colar mais de si mesmos. Esse processo pode ter ajudado a contrabalançar os danos acumulados causados pelos genes saltadores e melhorar as habilidades de reparação do DNA do tubarão.

No centro dessa rede estava um gene bem conhecido, chamado TP53, que tem sido implicado na reparação do DNA e na supressão de tumores. Um estudo publicado em 2016 mostrou que elefantes carregavam 20 cópias desse gene, e os cientistas acreditam que o gene pode explicar a forte resistência do animal ao câncer. O gene também foi encontrado estruturalmente alterado em tubarões-da-Groenlândia, embora a equipe ainda esteja avaliando se essa mudança aumentaria a longevidade do tubarão.

Os resultados sobre o tubarão são interessantes, disse Austad, mas ele advertiu que duplicações nem sempre revelam muito. "Muitos genes são duplicados e não têm nenhuma consequência particular", disse ele.

Ele acrescentou que os pesquisadores precisariam entender como essas descobertas se aplicam a células vivas de diferentes tipos, um esforço que poderia envolver o cultivo de células de tubarão-da-Groenlândia, convertendo-as em células-tronco e diferenciando-as em, por exemplo, células do coração ou do cérebro.

Sahm disse que sua equipe esperava conduzir sequências de genomas de espécies que têm vida mais curta, mas são evolutivamente muito semelhantes aos tubarões-da-Groenlândia, como o tubarão-dorminhoco-do-Pacífico.

"Agora é onde a diversão começa", disse Austad. "Agora que temos o genoma, é uma questão de desenvolver hipóteses e depois testá-las."

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