Das antigas correntes estelares às entranhas das anãs brancas, Gaia viu tudo.
Nesta quinta-feira (27), especialistas da missão na Agência Espacial Europeia (ESA) enviaram Gaia, que está com pouco combustível, para a órbita ao redor do Sol e o desligaram após mais de uma década de serviço prestados a astrônomos.
Gaia mapeou o cosmos desde 2014, criando uma vasta enciclopédia das posições e movimentos de objetos celestes em nossa Via Láctea e além.
É difícil capturar a amplitude do desenvolvimento e das descobertas que o observatório possibilitou. Mas aqui estão alguns números: quase 2 bilhões de estrelas, milhões de galáxias potenciais e cerca de 150 mil asteroides. Essas observações resultaram em mais de 13 mil estudos, até agora, pelos astrônomos.
O satélite transformou a maneira como os cientistas entendem o Universo, e seus dados viraram um ponto de referência para muitos outros telescópios na Terra e no espaço. E menos de um terço dos dados reunidos já foram disponibilizados para os cientistas.
"É algo que agora está sustentando quase toda a astronomia", disse o astrônomo Anthony Brown, da Universidade de Leiden, na Holanda, que lidera o grupo de processamento e análise de dados do Gaia. "Eu acho que, se você perguntasse aos meus colegas astrônomos, eles não conseguiriam mais imaginar fazer pesquisa sem o Gaia."
Lançado em 2013, o principal objetivo do Gaia era revelar a história e a estrutura da Via Láctea, construindo o mapa tridimensional mais preciso das posições e velocidades de 1 bilhão de estrelas.
Com apenas uma fração desses dados, os astrônomos estimaram a massa do halo de matéria escura que envolve nossa galáxia e identificaram milhares de estrelas invasoras, absorvidas de outra galáxia há 10 bilhões de anos.
Medindo as vibrações contínuas no disco da Via Láctea —uma espécie de sismologia galáctica, explicou Brown—, o satélite também levou a evidências de um encontro com uma galáxia satélite que orbita a nossa muito mais recentemente do que os cientistas acreditavam. Isso poderia ser o motivo pelo qual a Via Láctea parece distorcida quando vista de lado.
A abrangência da Gaia se estendeu além do que pode ser deduzido sobre nosso endereço galáctico.
O satélite ajudou a observar luas orbitando outros mundos em nosso Sistema Solar, capturou terremotos estelares e avistou estrelas hiper-rápidas cruzando a Via Láctea. Dentro de seu catálogo de estrelas, os astrônomos encontraram indícios de novos planetas e buracos negros, incluindo o mais próximo conhecido da Terra. Cosmologistas têm usado os registros do Gaia de estrelas pulsantes para ajudar a medir a taxa de expansão de nosso Universo.
"O Gaia tem sido e será incrivelmente importante para nossa compreensão do cosmos", disse a astrônoma Lisa Kaltenegger, da Universidade de Cornell. Em 2021, ela usou o catálogo da Gaia para descobrir quais mundos alienígenas podem ser capazes de nos ver.
A missão começou a gravar dados em torno de seis meses após o seu lançamento. Por mais de dez anos, Gaia girou lentamente no espaço, numa faixa onde a gravidade do nosso planeta e a do Sol se equilibram com o movimento do satélite.
Dois telescópios gêmeos, apontados em direções diferentes no satélite, escanearam o céu, capturando a luz óptica que riscava através de seu campo de visão. Três instrumentos a bordo mediram precisamente as posições, velocidades e cores de estrelas e outros objetos celestes. A partir desses dados, os cientistas inferiram informações sobre temperatura, massa e composição química.
"Está fazendo, de certa forma, o que soa como um trabalho chato", disse o astrofísico Joshua Winn, da Universidade de Princeton. Mas, segundo ele, é um dos projetos astronômicos mais importantes das últimas décadas.
Winn descobriu recentemente um novo exoplaneta no catálogo do Gaia, identificando pequenas oscilações no movimento da estrela em torno da qual orbitava. É um dos poucos planetas encontrados usando um método chamado astrometria, que ajuda a descobrir mundos massivos que orbitam longe de suas estrelas hospedeiras.
"Gaia é o primeiro recurso que tivemos que deveria encontrar um monte de planetas, inegavelmente, por meio dessa técnica", disse Winn. "É o início do que eu acredito que será a próxima grande fase na descoberta de exoplanetas."
Gaia fechou os olhos para a luz das estrelas em 15 de janeiro. Desde então, especialistas da missão têm conduzido testes técnicos finais dos instrumentos do satélite que poderiam ajudar na operação de futuros telescópios. Sua orientação em relação ao Sol mudou durante esses testes, tornando o satélite brilhante o suficiente para que astrônomos amadores possam avistá-lo no céu noturno.
Apesar da duração de sua missão, apenas uma parte do que o Gaia observou está disponível para os astrônomos, pois mais tempo é necessário para processar a enorme quantidade de dados coletados. A próxima divulgação de dados está programada para 2026 e terá cinco anos e meio de informações. A divulgação final, contendo o conjunto completo, está agendada para depois de 2030.