Tem virado uma certa rotina vermos novos resultados científicos trazerem à tona uma desconfiança sobre a versão mais aceita para a evolução do Universo desde o Big Bang, o chamado modelo padrão da cosmologia. Vira e mexe surgem por aí pesquisadores que sugerem que o cosmos pode ter mais que os 13,8 bilhões de anos hoje estimados ou que a gravitação pode não se comportar da maneira esperada nas maiores escalas. Aqui proponho ao caro leitor um talvez tedioso, mas ainda adequado, exercício de cautela. Os rumores sobre a morte do modelo padrão estão sendo muito exagerados.
Pegue por exemplo, os resultados divulgados na última semana pela equipe do Desi (Instrumento Espectroscópico da Energia Escura), um grupo internacional que colhe seus dados no telescópio Mayall, do Observatório Nacional de Kitt Peak, no Arizona. Eles acabam de apresentar, em uma série de artigos publicados no repositório arXiv, as conclusões baseadas no primeiro ano de observação do instrumento.
O projeto mapeou 6 milhões de galáxias às mais variadas distâncias, cobrindo 11 bilhões de anos de história cósmica. A partir da distribuição delas, eles podem estimar a ação da gravidade ao longo do tempo cobrindo vastas regiões do espaço. E os resultados mostram que ela se comporta como predita pela teoria geral da relatividade –a base do modelo padrão da cosmologia, que inclui, além da matéria convencional, outros dois ingredientes que seguem misteriosos, mas parecem de fato existir: a energia escura e a matéria escura.
Se o trabalho não descarta por inteiro, ele ao menos restringe muitas das teorias alternativas da gravidade que buscam explicar de outra maneira a evolução do Universo. É mais um teste rigoroso, talvez um dos mais estritos, pelo qual nossa explicação padrão para o atual estado do cosmos e, por consequência, a estimativa de sua idade, passou com louvor.
Isso quer dizer que temos mesmo a palavra final sobre o que rolou desde o Big Bang até agora? Claro que não. Resultados intrigantes obtidos em tempos recentes, como a confirmação de que há uma discrepância entre a aceleração da expansão cósmica esperada pelo modelo e a observada, ou a detecção de galáxias muito distantes que parecem maduras demais para terem habitado o Universo recém-nascido, continuam a provocar os físicos a buscar respostas mais acuradas.
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Vale notar, contudo, que mesmo esses resultados trazem algum suporte ao modelo padrão –por exemplo, embora o Telescópio Espacial James Webb esteja encontrando várias galáxias maduras demais na infância do Universo, em contraste com as predições do modelo, ele não encontrou nenhuma cuja idade (estimada pelo avermelhamento de sua luz) ultrapassasse nosso entendimento de quanto tempo se passou desde o Big Bang (o que mostraria uma irreconciliável incompatibilidade com o modelo padrão).
É natural que novas ideias atraiam nossa atenção e nos intriguem pelo quanto ainda desconhecemos. Mas convém temperar isso com o reconhecimento de que já avançamos bastante e os pilares básicos da física moderna –a relatividade geral e a mecânica quântica– seguem inabaláveis mesmo depois de testes cada vez mais sofisticados realizados ao longo do último século.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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