A possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos preocupou investidores ao redor do mundo nesta sexta-feira (2).
Dados do mercado de trabalho mais fracos que o esperado para o mês de julho, divulgados pela manhã, levantaram hipóteses de que o atual patamar da taxa de juros norte-americana está levando a maior economia do mundo a um processo de desaceleração acentuado.
O "payroll" (folha de pagamento, em inglês) mostrou que os EUA criaram 114 mil vagas no mês passado, ante expectativa de 175 mil, e a taxa de desemprego acelerou para 4,3%, quando agentes financeiros esperavam manutenção em 4,1%.
Os novos dados acionaram a chamada Regra de Sahm, que vincula o início de uma recessão ao momento em que a média móvel de três meses da taxa de desemprego sobe pelo menos 0,5 ponto percentual acima da mínima de 12 meses. Em agosto do ano passado, o índice estava em 3,8%, o que coloca a taxa atual exatamente no gatilho.
O payroll vêm na esteira da manutenção dos juros na taxa de 5,25% e 5,50% pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) na última quarta-feira. A decisão já era amplamente esperada, mas o comunicado que a sucedeu deu fôlego à tese de que a autarquia poderá iniciar o ciclo de afrouxamento monetário já no próximo encontro, em setembro.
Com os novos números, a tese se tornou uma aposta unânime entre os agentes financeiros. E, se antes a dúvida era sobre a possibilidade de corte, agora a discussão é sobre a magnitude.
Alguns dos grandes bancos de Wall Street, como JPMorgan e Citigroup, revisaram as previsões para o ano, antevendo, agora, um corte de 0,50 ponto percentual na taxa de juros na próxima reunião.
É o que também aparece na ferramenta CME FedWatch, que colhe estimativas de investidores sobre a política monetária norte-americana: 67,5% deles estimam que os juros irão cair em 0,5 p.p, enquanto os 32,5% restantes esperam 0,25.
Em entrevista coletiva após a decisão do Fed, o presidente da autarquia, Jerome Powell, afirmou que uma redução nas taxas é uma possibilidade à mesa na próxima reunião, mas reforçou que um corte mais acentuado, como o de 0,50 ponto, "não é algo que o colegiado está considerando agora".
O comitê teme um repique da inflação, que, nos últimos meses, começou a caminhar de volta à meta de 2%. Em junho, estava em 2,5%.
O presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, também enfatizou a postura cautelosa do banco central. Nesta sexta, em resposta às apostas de cortes maiores por parte do marcado, afirmou que a autoridade monetária deve agir de forma "consistente", e não "reagir de forma exagerada aos números de um único mês".
O banho de água fria afastou investidores dos mercados acionários globais. Na Europa, o índice de referência STOXXX 600 caiu 2,73%, a 497,85 pontos, atingindo o menor nível em mais de três meses.
Nos Estados Unidos, o Dow Jones perdeu mais de 1,80%, enquanto Nasdaq e S&P 500 recuaram 1% e 2%, respectivamente. O "medidor de medo" de Wall Street —o VIX— chegou ao nível mais alto desde março de 2023, e os rendimentos dos títulos do Tesouro de 10 anos caíram para 3,8%, acompanhando as apostas de cortes maiores do Fed.
Folha Mercado
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A aversão a riscos no exterior contaminou o Ibovespa, que fechou em queda de 1,21%, também pressionado pelas perdas de mais de 2,50% dos papéis da Petrobras, afetados pelo recuo do barril de petróleo.
"A grande questão é: estamos indo direto para uma recessão?", disse Ryan Detrick, estrategista-chefe do Carson Group, à Bloomberg. "Ou a economia está simplesmente passando por um momento difícil? Nós estamos do lado de que ainda evitaremos uma recessão, mas os riscos estão aumentando."
Além da fraqueza na abertura de vagas, outros dados secundários indicam desaceleração da atividade. No mês passado, os pedidos de auxílio-desemprego aumentaram para 249 mil, ante expectativa de 236 mil.
Em junho, as vendas de novas moradias caíram para o nível mais baixo em sete meses, devido ao alto custo das hipotecas e dos imóveis. A queda foi de 0,6%, para uma taxa anual ajustada sazonalmente de 617 mil casas. A expectativa de analistas consultados pela Reuters era de 640 mil.
"Esses dados secundários costumam trazer sinalizações de que a economia está se deteriorando. A recessão não aparece aos poucos no PIB (Produto Interno Bruto): ela vem de repente", afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
"A taxa de desemprego está virando nos últimos meses, e toda vez que há uma inflexão na taxa, há uma recessão. É assim desde 1940, e foi o caso em 2008 e, mais recentemente, em 2020, com a pandemia. A economia americana funciona como um reloginho."
Há quem ache a narrativa de recessão precipitada. Na visão de Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia na consultoria Tendências, o cenário repercute certo "exagero de mercado" e pede cautela para avaliações pessimistas.
"Temos que ter um pouco de cuidado, não dá para pegar um dado e sair avaliando que economia está em recessão. Devemos diferenciar dado de um mês fraco e tendência, algo que ainda não consigo fazer. Nesse sentido, dados de atividade que estão para sair vão ser importantes para essa análise", diz.
É essa também a visão de autoridades do Fed. Na quarta-feira, Powell disse que as chances de um chamado "pouso forçado" —quando levar a inflação de volta à meta provoca recessão— ainda permanecem baixas.
"Não vemos razão para pensar que a economia está superaquecendo ou enfraquecendo drasticamente. Isso simplesmente não está nos dados agora", disse ele.
No último trimestre, o PIB dos EUA cresceu 2,8%, bem acima do esperado. Números sobre o consumo indicam que os norte-americanos ainda gastando, mesmo em ritmo mais lento, e empregadores seguem contratando novos funcionários.
Michael Gapen, economista-chefe para análises sobre os Estados Unidos no Bank of America e ex-Fed, reconheceu que a atividade dos EUA está desacelerando, mas não entrou em derrocada como temem os mercados.
Ele, no entanto, emitiu um aviso ao Fed: "Se não cortarem as taxas, correm o risco de criar a recessão que tanto evitaram."
Com informações da Bloomberg e do Financial Times