'Regras do Amor na Cidade Grande' retrata vida queer na Coreia em livro, filme e série

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"Acho as atitudes de quem é contra um pouco engraçadas, até fofas." Essa é a resposta do escritor Park Sang-young para as pessoas que foram às ruas protestar contra o lançamento do k-drama inspirado em seu livro, "Regras do Amor na Cidade Grande", e que o xingam na internet. "Essa é a luta de pessoas que estão ficando para trás", diz ele, em entrevista por email.

Seu primeiro romance acompanha um jovem gay, que pega vários homens que conhece em aplicativos de namoro e baladas, enquanto tenta descobrir o que fazer da vida, numa conservadora Coreia do Sul. Ele compartilha os casos com a melhor amiga hétero, que também pega geral, em conversas regadas a soju e cigarros.

Isso parece fora da caixa para um livro coreano, mas Park conseguiu torná-lo um best-seller na terra natal e exportá-lo para outros países. A obra foi semifinalista do Booker Prize, uma das principais premiações globais da literatura, e chega ao Brasil cinco anos após o lançamento, pela Record. A história também foi transformada em filme, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (10) pela A2 Filmes, e série, disponível no streaming Viki.

Park virou referência da literatura queer na Coreia do Sul e quebra tabus num país que não tem leis que protegem LGBTs contra crimes de ódio e tampouco reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O escritor de 37 anos retrata a vida de um jovem gay solteiro como ela é. O livro é recheado de palavrões, fala em pau pequeno, em trepar, aborda HIV e aborto. O protagonista é sarcástico, faz piadas citando divas do mundo pop.

"Até agora, personagens queer no mundo literário coreano (e no mundo cultural) foram retratados de forma trágica. Eles eram frequentemente apresentados como muito tristes e sempre tinham finais trágicos", diz Park. "Senti que essas perspectivas eram muito objetificadas. Quis retratar personagens queer que se encaixassem na vida cotidiana, que fossem alegres, animados e vivos."

Esse humor é usado como uma arma de proteção contra o preconceito e a discriminação que o personagem vive, assim como faz o autor no dia a dia, ele diz. "Não há arma tão poderosa quanto o humor."

Go-young parece ser baseado em seu próprio criador: ambos são escritores, cursaram literatura francesa e venceram prêmios como jovens autores. Embora tenha aplicado algumas de suas experiências pessoais –e de pessoas próximas– ao personagem, Park garante que é ficção. "Há muito mais coisas que inventei do que que realmente vivenciei."

Enquanto escrevia, ele diz que refletiu sobre a relação entre o autor e o narrador. "Esperava que muitas pessoas lessem essa história como se fosse algo que o autor dela tivesse vivenciado pessoalmente. Um grande número de pessoas leu como se fosse algo que eu tivesse vivenciado pessoalmente, e fiquei um pouco surpreso. Isso significa que escrevi o livro de forma realista."

Nesse sentido, o filme é mais contido. Go-young, aqui chamado de Heung-soo, é sério, tímido até, em contraste com a rebelde e confiante Jae-hee. A trama foca em apenas um de seus romances e explora mais a amizade dos dois, que criam um vínculo por serem os excluídos da turma e pela afinidade com a vida noturna. Para os desavisados, o começo até faz parecer que é uma comédia romântica hétero.

Nas telas, a dupla é vivida por Kim Go-eun e Noh Sang-hyun. Ela é atriz com carreira consolidada, conhecida por protagonizar o k-drama "Goblin" e o sucesso de bilheteria "Exhuma". Ele participou de "Pachinko" e "Sense8". Pelo papel em "Regras do Amor na Cidade Grande", venceu o prêmio de melhor novo ator no Blue Dragon, uma das principais premiações coreanas.

Por outro lado, a série é mais fiel e foca no romance de Go-young com os vários homens que conhece. É um "retrato cru da homossexualidade", segundo Park, que escreveu o roteiro. No filme, ele apenas revisou o roteiro na etapa final.

Cada produção seguiu uma abordagem diferente, mas todas mostram locações reais da moderna e agitada Seul, que funciona como um personagem. Apesar de moderna, a Coreia do Sul ainda pena para avançar quando o assunto são direitos LGBTQIA+.

Desde a publicação do livro, em 2019, para cá, Park diz que não mudou muita coisa, e leis anti-discriminação continuam pendentes. "Ainda há muitos opositores barulhentos. Mesmo assim, todos estão tentando se manter fortes e seguir em frente."

O país asiático viveu um crescimento econômico rápido desde a democratização, em 1987. "Por outro lado, é um país que não teve tempo suficiente para que sua cultura espiritual amadurecesse", afirma Park. "Além disso, a Coreia é baseada em uma cultura tradicional confucionista (que possui valores familiares muito conservadores) e tem uma grande porcentagem de cristãos (que também têm valores conservadores centrados na família)."

Isso ajuda a explicar o conservadorismo presente no país. "Essas duas culturas religiosas parecem ter se combinado para formar uma cultura conservadora muito distorcida. Todas as forças políticas conservadoras pisoteiam tudo o que é novo ou minoritário", diz Park. "Isso explica muito sobre a sociedade coreana."

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