Rede de armadilhas para peixes pode ter impulsionado surgimento dos maias

há 4 meses 19

Uma ampla rede de armadilhas para peixes, abrangendo uma área de mais de 40 quilômetros quadrados em Belize, na América Central, pode ter sido um dos pontapés iniciais para o surgimento da civilização maia, sugere um novo estudo.

A partir de uns 4.000 anos atrás, as estruturas teriam ajudado a alimentar uma população de algumas dezenas de milhares de pessoas. Isso pode ter facilitado o processo de fixação permanente no território e o aumento da complexidade social que, vários séculos mais tarde, desembocaria nas cidades-Estado e pirâmides maias em Belize e nos países vizinhos, como a Guatemala e o México.

As conclusões saíram na última sexta-feira (22) no periódico especializado Science Advances. Assinam o trabalho, entre outros pesquisadores, Eleanor Harrison-Buck, do Departamento de Antropologia da Universidade de New Hampshire (EUA), e Samantha Krause, da Universidade do Estado do Texas.

A equipe usou drones, escavações tradicionais e uma série de outras técnicas para estudar a antiga ocupação humana de uma região de Belize que lembra o pantanal brasileiro –ou o que seria o pantanal se ele estivesse perto da costa do Brasil.

Designada pela sigla CTWS (Santuário da Vida Selvagem Crooked Tree), a área é cortada por uma série de rios que conectam lagunas de água doce e salobra, além de incluir áreas pantanosas, que passam por períodos anuais de cheia e seca. Peixes, moluscos, tartarugas e aves pescadoras (incluindo até tuiuiús, como os que existem no pantanal brasileiro), entre outros membros de uma fauna muito diversificada, povoam a área.

As estruturas analisadas pelos pesquisadores no novo estudo já eram conhecidas antes, mas a interpretação tradicional é que elas fossem usadas para a irrigação de cultivos típicos da região antes da chegada dos europeus, em especial o milho. Também se acreditava que eles fossem relativamente recentes, datando da época do auge da civilização maia (mais ou menos entre os anos 250 e 1000 d.C.), quando, de fato, a produtividade agrícola da área era bastante alta.

Os novos dados, entretanto, indicam que essa interpretação é improvável, a começar pelo fato de que não há associação nenhuma entre as estruturas e o pólen de milho e outras grandes lavouras nativas.

As imagens obtidas com ajuda de drones revelam um total de 167 estruturas lineares escavadas no território pantanoso, cada uma delas com mais de 600 m de comprimento e com ao menos algumas dezenas de centímetros de profundidade (provavelmente mais do que isso no passado, uma vez que elas foram se enchendo de sedimentos).

O que é ainda mais intrigante é que esses padrões escavados de zigue-zague, que a equipe arqueológica identifica como canais, costumam desembocar em áreas que formam pequenas lagoas ou açudes. Ainda não está claro se as lagoas também são artificiais, mas os canais claramente o são, dizem os pesquisadores.

A ideia é que as escavações foram feitas para capturar os peixes que iam desovar nas regiões alagadas – quando a água baixava quando chegava o período da seca, eles seriam "canalizados" rumo aos açudes e capturados com mais facilidade, algo que, segundo os moradores atuais da região, costuma acontecer ainda hoje.

"Nossa suspeita é que os peixes fossem capturados nessas pequenas lagoas com redes, cestos ou lanças", disse a coordenadora do estudo à Folha. "Embora muitos desses artefatos não costumem ficar bem preservados no registro arqueológico, já encontramos pontas de lança serrilhadas em sítios arqueológicos próximos com a mesma idade, e é provável que elas fossem usadas para arpoar peixes."

Escavações na borda dos canais (no meio deles é mais difícil porque, após 1 m de profundidade, as estruturas ficam cheias de água que vem do subsolo) revelaram que o início das escavações data de 2000 a.C.

E a idade talvez seja bastante significativa: ela tem boa correlação com um momento de alteração climática em que a região deixou de ficar alagada durante o ano todo e passou a ser dominada pelo regime de cheias e seca que se vê ali até hoje.

A proposta da equipe de arqueólogos é que a técnica da construção de canais (e, talvez, açudes) foi uma resposta ao surgimento da alternância entre fases do ano úmidas e secas. Com ela, os peixes podiam ser concentrados para fácil captura e abate nos meses de bonança, sendo talvez secados e salgados para consumo mais lento. Eles estimam que seria possível sustentar uma população entre 15 mil e 25 mil pessoas na região com esse sistema.

Ao menos nessa área de Belize, esse processo teria sido o empurrão necessário para a vida mais sedentária que, mais tarde, levou ao aumento da complexidade social maia.

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