Angélica Kvieczynski começou na ginástica rítmica aos 11 anos e se tornou um dos rostos que representou o Brasil, conquistando a primeira medalha do país na disputa do individual geral na história da ginástica rítmica em Jogos Pan-Americanos. Ela também foi medalhista em Jogos Sul-Americanos, e em diferentes edições do Campeonato Mundial e do Prêmio Brasil Olímpico desde os anos 2000.
Em 2019 a atleta falou abertamente sobre os transtornos alimentares que a acompanharam desde que começou a ganhar destaque no esporte. "Eu ficava sem beber água para não aumentar o peso na balança", lembra, em entrevista ao blog Não Tem Cabimento. O método não é exclusividade de Angélica, que o aprendeu com "as mais velhas" na profissão. Com outras atletas, aprendeu outros métodos para perder peso, como tomar laxantes.
Além dela, a ginasta da mesma geração Jade Barbosa, que acaba de garantir bronze na equipe de ginástica artística durante as Olimpíadas de Paris-2024, contou no podcast "Cara a Tapa", em 2023, que ficava sem ingerir água por pressão de sua treinadora para controlar o peso. O resultado foram 15 pedras nos rins e osteonecrose (morte de um segmento de osso causada pela perda de suprimento de sangue) nas mãos. Se a balança marcasse um número maior, era punida com sobrecarga de exercícios, diz Jade.
Cinco anos depois do relato que Angélica escreveu no UOL, ela conta que é treinadora da mesma modalidade em Dublin, capital da Irlanda. Ao seu ver, atualmente há mais cuidado com a saúde mental dos atletas no Brasil. "Acho que há alguns anos faltava conhecimento de tudo e nós éramos treinadas com métodos antigos. Acho que todos entenderam que se o atleta não estiver saudável ele não vai render", diz. Enquanto ainda competia, no entanto, lembra que o foco era: "peso, peso, peso". A cobrança para padronizar os corpos das atletas, desconsiderando seus biotipos e composições corporais, estava sempre presente.
A ela não interessa criticar instituições. "Sou muito grata pelas experiências que tive. Tudo é aprendizado", diz. Hoje ela afirma que o principal é destacar a mudança no acompanhamento que as atletas recebem e sente orgulho de ter se posicionado sobre o tema "Foi muito importante termos aberto a boca, porque as coisas mudaram. Hoje a ginástica rítmica tem uma estrutura que era a que nós sonhávamos, lá atrás. Gente do céu, eu queria ser dessa geração e ter o acompanhamento que essas meninas têm. Existe um cuidado, toda uma comissão técnica", diz.
Em nota, a Confederação Brasileira de Ginástica diz que tem nutricionistas que elaboram planos alimentares personalizados, "respeitando as necessidades individuais de cada atleta". Além disso, promovem palestras e treinamentos para educar os atletas e suas famílias sobre a importância de uma alimentação equilibrada. "Trabalhamos para criar um ambiente em que as ginastas se sintam valorizadas por suas habilidades e esforços, e não apenas pela aparência física", completa.
A Confederação diz trabalhar junto ao Comitê Olímpico Brasileiro com uma equipe multidisciplinar dedicada ao bem-estar físico e emocional das ginastas, composta por psicólogos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, e preparadores físicos. "Ampliamos nossa equipe de suporte e implementamos novas metodologias baseadas em evidências científicas para melhorar o cuidado integral das ginastas", finaliza a nota.
O impacto da pressão que Angélica sofreu se transformou em ação oposta no treinamento de suas atletas, que têm de 3 a 20 anos. "Não temos balança no ginásio. Isso é óbvio", diz. A atleta defende que a pressão faz parte do esporte, mas tenta lidar diferente com suas atletas. A falta de informações sobre nutrição, já abordada pelo blog, também é citada por ela.
Há dois anos, quando começou o trabalho na Irlanda, percebeu que as meninas não comiam direito, deixando de ingerir nutrientes necessários. "Às vezes ainda tenho que falar para elas comerem mais, consumirem proteína, explicar que é necessário para a recuperação muscular. Eu preciso falar de forma positiva e incentivar uma relação saudável com a comida e com o corpo delas", diz.
"Sempre converso sobre serem saudáveis, mas para que não tenham medo da comida, que a vejam como algo positivo", diz. Ela incentiva o acompanhamento com um profissional de nutrição e enfatiza que não é de sua área de conhecimento, que se formou em educação física. "Eu não quero que elas tenham medo de comer e nem medo de comer perto de mim. Esses dias fomos tomar sorvete", conta a jovem treinadora, agora com 32 anos.
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