Vodca não deixa cheiro de bebida? Mais um mito bastante difundido

há 1 dia 3

Um dia me disseram que vodca não deixava cheiro de bebida. Achei maravilhoso.

Minha mãe, minha irmã e uma ou outra amiga próxima sempre chegavam bem perto de mim para sentir se eu tinha bebido ou não —bem antes das minhas internações, algumas pessoas importantes da minha vida sabiam que eu não podia beber. Mas eu não parava. Era sempre muito cansativo: beber e não deixar nenhum rastro.

Imagina a ginástica.

Algumas vezes, quando eu estava em uma situação muito desesperadora, os médicos me receitaram antietanol, um comprimido para inibir a digestão do álcool. O remédio tem como princípio ativo uma substância que age no organismo impedindo que o álcool seja processado. Mas eu brincava com o perigo e não acatava as ordens médicas. Mais de uma vez passei mal por causa do combo álcool + antietanol.

Esse mito da vodca inodora é bastante difundido, basta entrar em qualquer sala de Alcoólicos Anônimos. Algumas pessoas que ainda não conseguem ficar sem a bebida e frequentam a sala acabam confessando que tomam vodca para não dar na cara que beberam. Balela. Deixa cheiro sim, e talvez até mais.

Quando encontrava amigos em algum bar, eu sempre pedia caipirinha de vodca ou mesmo aquelas garrafinhas de uma espécie de refrigerante com vodca. Pensava que assim enganaria minha família.

A bebida é muito fedorenta. Outro dia estava esperando uma pessoa para uma reunião de trabalho. Era sexta-feira, pouco mais de três da tarde. Quando ela chegou e me cumprimentou, eu logo senti o cheiro forte. Não consegui prestar atenção na reunião. Só ficava imaginando como ela estaria se sentindo naquela hora. Será que sabia que estava exalando álcool? Será que estava felizinha porque estava bêbada? Sabe aqueles bêbados funcionais? Pois é. Como é que a pessoa conseguia? (Eu fazendo esse tipo de julgamento é a melhor piada do mundo.)

Lembro bem de quando imaginei ter encontrado a fórmula ideal para beber durante o expediente. Levei uma caneca com vodca em vez de chá. E eu achando que enganava geral... Até que uma hora minha chefe me chamou para conversar. Eu ge-lei. Tinha sido descoberta. Naquele momento me desculpei e, como sempre, menti: disse que estava passando por uma fase muito difícil, pois tinha descoberto uma doença terrível.

É triste. Agora, quando escrevo, parece que foi em outra vida. A liberdade que tenho hoje em não precisar beber é incrível. Sobretudo não me preocupar com o meu hálito. Eu ficava em pânico toda vez que alguém chegava perto de mim. Já começava a pensar na desculpa que ia inventar caso a pessoa comentasse alguma coisa.

Hoje exploro livremente todos os aromas. Escolho shampoos que exalam os mais variados aromas, também gosto de passar perfume e estendo o gesto pela casa, borrifando aromatizadores por todos os cômodos. Sempre que posso cozinho para sentir um cheiro bom exalando pela casa. Na pandemia, como muitos, assei pães, e foi uma terapia incrível, me ajudou a passar o tempo e driblar o medo.

Hoje minha geladeira vive cheia, ao contrário do que ocorria no meu tempo de bebedeira, quando ela estava sempre vazia —salvo uma garrafa de vodca no congelador— e o fogão não passava de um objeto decorativo.

Muito triste.

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