Ao ser questionado se a empresa de energia portuguesa EDP teria interesse de ocupar espaço na capital paulista em uma eventual de saída da Enel, João Marques da Cruz, presidente da companhia na América do Sul, faz ressalva.
O executivo pondera que não gostaria de relacionar sua fala ao contexto da concorrente, com quem tem boas relações. Depois que a Enel voltou a deixar vários bairros de São Paulo sem luz após temporal no mês passado, a hipótese de um encerramento da concessão da distribuidora passou a ser cogitada por autoridades.
Feita a ponderação, Cruz discorre sobre os planos de expansão dos investimentos da EDP no país.
"Se a pergunta é se estamos disponíveis a aumentar a nossa exposição ao negócio de distribuição no Brasil, a resposta é sim", afirma.
Para Cruz, os eventos climáticos extremos voltarão a acontecer, e o Brasil precisa acelerar sua capacidade de resposta, o que deve ser feito com aumento de investimento, mas controlando a elevação de tarifas.
Melhores previsões meteorológicas, treinamentos de equipes e expansão das linhas de transmissão estão entre as medidas que ele considera favoráveis para impulsionar o investimento em energias renováveis.
Quais são os principais investimentos da EDP em transição energética no Brasil hoje?
Todos os nossos investimentos são de transição energética, e nós investimos em três atividades: transmissão, geração e distribuição. Transmissão é essencial, porque, se não houver linhas de transmissão que ligam os locais de geração verde, no Nordeste, aos locais de consumo, que estão basicamente no Sudeste, essa energia será mal aproveitada. Hoje, temos quatro lotes em construção: um que liga o Acre a Rondônia, que está praticamente concluído, e os outros três, no Piauí e entorno, que estamos iniciando.
A transmissão é essencial para resolver um assunto de que se tem falado no Brasil, o curtailment. O que é isso: é quando o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] diz para o gerador de energia renovável do Nordeste não produzir a energia porque ele não consegue transportar.
Como resolver isso?
Tendo mais linhas para aumentar a capacidade de transporte. Para investir em transmissão, não basta querer. É preciso ganhar leilões, porque as linhas são colocadas em licitação, e ganha aquele que disser: "Eu quero receber o valor mais baixo durante os anos do contrato por construir essa linha".
O segundo segmento em que estamos investindo é a geração. Quando as pessoas falam em transição energética, elas pensam em um aerogerador ou um painel solar. Dificilmente pensam nos fios. Mas, se não temos fios, não funciona. Assinamos um contrato de investimento de compra de um porftólio da Tangipar para mais investimento em solar GD [geração distribuída]. Estamos investindo em solar de grande escala e eólico. Neste momento, temos quatro usinas em construção.
O terceiro segmento é distribuição. Temos duas áreas de concessão, uma em parte do estado de SP e outra no Espírito Santo. Estamos investindo três vezes a depreciação. É um investimento orgânico. A distribuição é importante porque é onde o consumidor sente.
Como assim?
Por exemplo: no Brasil, o consumidor médio tem 11 horas e 15 minutos sem eletricidade por ano, enquanto nos Estados Unidos são 5 horas e meia. O americano médio sofre metade do que o brasileiro em termos de falta de eletricidade.
Em 2023 melhorou, mas ainda estamos longe. Tem um caminho a ser feito, e isso requer investimento. Também é necessário ter treinamento. Os eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes no mundo. E eles exigem equipes polivalentes. Não se pode ter equipes que só sabem fazer um determinado trabalho.
Esses apagões que tivemos mostram que o setor não está preparado ou não fez a lição de casa para lidar com isso?
Os números mostram que estamos melhores do que antes. O tempo médio de interrupção de eletricidade na generalidade do setor tem melhorado, mas não estamos no ideal. Tem havido um esforço, mas é preciso continuar. E pensar em um caminho de mais investimento, mas que também permita que a tarifa não suba muito. Tem de haver equilíbrio, com mais investimento para que haja uma resposta mais rápida aos eventos climáticos extremos.
Qual é a sua opinião sobre a pressão que o governo e a sociedade têm feito para que as empresas se adaptem aos efeitos do clima? E isso vai ser levado em consideração na renovação das concessões?
A renovação das concessões é um processo que está correndo bem para o Brasil. O modelo escolhido após consulta pública foi um modelo de continuidade para atrair mais investimento. Eu queria elogiar o Ministério de Minas e Energia e os atores políticos. Um modelo de ruptura não atrai investimento. Com ruptura, o investimento foge. Por isso, a prorrogação das concessões foi o melhor modelo para atrair investimento. Isso eu acho que foi bom.
Voltando à primeira parte da pergunta. No tema dos eventos climáticos extremos, não há bons nem maus. Temos de estar todos no mesmo lado. Mas vou dizer onde devemos melhorar. Novamente, comparando com os EUA: lá a capacidade de previsão meteorológica é notável. Isso é importante para que haja planejamento, para que os meios estejam a postos.
Os eventos vão ocorrer. Temos que ter capacidade de resposta rápida. Implica previsões meteorológicas mais robustas. Deve haver compartilhamento de meios entre as empresas quando houver desastres e deve haver a polivalência de recursos nas empresas, com treinamento de equipes.
As metas de transição energéticas são definidas pelos governos, mas o investimento é privado. Todas as políticas têm que atrair o investimento. Senão, o dinheiro flui para outros negócios. A COP30, no próximo ano, vai ser em Belém. O Brasil está nessa liderança. Em termos globais, o Brasil está bem.
É preciso investir mais em transmissão. É preciso criar as condições para que o investimento em renováveis, incluindo o chamado storage, equipamentos para armazenar energia, possa crescer mais rápido.
Numa eventual saída da Enel, diante dessa crise toda que aconteceu, haveria interesse da EDP em ocupar algum espaço?
Vou responder, mas gostaria que minha resposta não fosse associada a uma companhia que é boa e com a qual temos ótimas relações institucionais. Eu não opino sobre a Enel.
Dito isso, a EDP está investindo de forma orgânica em distribuição. A EDP tem disponibilidade para investir de forma inorgânica, com aquisição, em distribuição. Não sei se vão aparecer oportunidades. Mas, se a pergunta é se estamos disponíveis a aumentar a nossa exposição ao negócio de distribuição no Brasil, a resposta é sim.
Obviamente, teríamos de analisar com todo o cuidado. Nunca se pode dar um passo maior do que a perna, ou seja, temos de ter consciência das nossas limitações, técnicas e financeiras. Somos uma média empresa mundial.
A EDP tem ambição em energia solar e, recentemente, assinou contrato com o Pão de Açúcar para abastecer lojas da rede. Quais são os próximos?
Todos os dias, nós fechamos contratos. Alguns têm maior dimensão, como esse, mas é algo que fazemos continuamente. Estamos negociando com um grande banco e estamos muito ativos em tudo o que diz respeito a geração renovável.
A indústria da energia eólica se queixa da perda de competitividade para a solar, que tem a China como fonte imbatível de painéis fotovoltaicos. Como o Brasil pode equilibrar isso e preservar a construção de novos parques eólicos?
É preciso ter investimento em transmissão. Se não há capacidade de escoamento, não se consegue investir.
RAIO-X | JOÃO MARQUES DA CRUZ
Hoje CEO da EDP na América do Sul, o executivo entrou no grupo em 2007 como membro do conselho da EDP Internacional e assumiu a presidência da EDP no Brasil em 2021. Sob sua gestão, a região foi ampliada, expandindo a presença em outros países