Considerado o combustível do futuro e aposta do governo para atrair investimentos em transição energética, o hidrogênio verde enfrenta hoje no país gargalos no sistema de transmissão de energia, que impede o avanço dos projetos.
Responsável por autorizar o acesso à rede de transmissão, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) negou os oito primeiros pedidos, alegando que o sistema não tem capacidade de receber, em segurança, clientes do porte das usinas de hidrogênio.
O setor pede agilidade em obras de ampliação e reforço da transmissão para permitir a instalação dos projetos, que têm investimentos já programados de R$ 188 bilhões, segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
O problema mobiliza também governadores do Nordeste, onde os projetos estão planejados. "É inaceitável ter investidor querendo investir e não termos celeridade para garantir a energia necessária", disse em evento na semana passada o governador do Ceará, Elmano de Freitas.
A escolha da região Nordeste como base principal para os projetos respeita a proximidade com grandes parques eólicos e solares, fundamentais para garantir os grandes volumes de energia renovável que darão o selo verde à produção.
O diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, diz que o operador é sensível ao problema, mas ressalta que o volume de energia consumido por projetos de hidrogênio verde é muito superior a qualquer segmento que já pediu acesso à rede de energia no país.
Um projeto médio demanda uma carga de cerca de 1,5 GW (gigawatts) médios, quase o equivalente à capacidade da usina nuclear Angra 2. Estudos dinâmicos feitos pelo operador indicam que, nas condições atuais, os projetos podem gerar riscos à rede de transmissão.
"Uma indústria, quando quer aumentar produção, precisa que algumas centenas de MW (megawatts). Quando vai para a escala de GW, é diferente", afirma ele. "Não encontramos espaço na rede para colocar uma carga dessas de uma hora para outra."
O setor entende as restrições, mas pede do governo agilidade em projetos de expansão da rede, alegando risco de perder o investimento para outros países. "É um cenário muito temerário", diz a presidente da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde), Fernanda Delgado.
O governo encomendou à EPE (Empresa de Pesquisa Energética) um estudo sobre ampliação e reforço da rede para absorver projetos de hidrogênio verde. Mas os investimentos dependerão ainda da realização de leilões de novas linhas ou de sistemas de proteção mais robustos.
"Se seguir o cronograma normal, isso tudo só estaria pronto em 2032", diz ela, alertando que a lei que instituiu R$ 18 bilhões em benefícios para viabilizar esses empreendimentos garante créditos tributários apenas entre 2028 e 2032.
A ABIHV reúne 12 empresas com projetos projetados para nove estados e o Distrito Federal. Os seis mais avançados têm investimentos previstos de R$ 66 bilhões e estão localizados no Ceará (quatro deles), Pernambuco e Minas Gerais.
"Os projetos precisam de conexão à rede para aproveitar o benefício [dado pela lei]. Senão, haverá um descasamento entre a política pública e a decisão de investimento dessas empresas", diz a presidente da associação.
A operação da rede de transmissão brasileira ficou mais restrita após o apagão de 2023, quando o ONS adotou uma postura mais conservadora para evitar a repetição do problema —cenário que agrava também os cortes involuntários na geração de renováveis.
A entrada de novas linhas licitadas no passado e medidas adicionais de segurança minimizam o problema, mas o reforço necessário para abarcar uma grande quantidade de projetos de hidrogênio só será conhecido após o estudo da EPE.
O ONS diz que recebeu nove pedidos de acesso. Negou em um primeiro momento oito e ainda avalia um. Os que tiveram o acesso negado voltaram à fila após a publicação, em fevereiro, do novo plano de outorgas de transmissão, que traz novos projetos e muda o cenário de análise.