Por que Viola Davis, que deu o Globo de Ouro a Fernanda Torres, é tão fã do Brasil

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Na internet, dizem que é como se uma brasileira tivesse premiado outra. Mas, na verdade, foi Viola Davis, americana, quem entregou o primeiro Globo de Ouro já concedido a uma artista nacional, a atriz Fernanda Torres, que se levantou da cadeira embasbacada com o feito histórico que protagonizou na noite deste domingo em Los Angeles.

Há mesmo algo um tanto emblemático no fato de ter sido Davis quem fez o nome de Torres, premiada pelo filme "Ainda Estou Aqui", ressoar num saguão repleto de estrelas de Hollywood. Entre as dezenas de artistas internacionais que estavam ali, afinal, a atriz americana é certamente uma das que mais admiram o Brasil.

Davis visitou o país duas vezes recentemente, em 2022 e no ano seguinte. Primeiro, veio para divulgar o filme "A Mulher Rei", em que protagoniza como chefe de um grupo de guerreiras mulheres. À Folha, disse que a história, que se passa no antigo Reino de Daomé, onde é hoje o país africano Benin, não poderia ter sido contada sem falar do nosso país.

"O Brasil é uma grande parte da narrativa da história dos negros e da escravidão. A maioria dos africanos escravizados foi para o Brasil. Com isso, o país de vocês se torna um antro de informação, fonte importante para narrar a nossa história", disse à época Davis, que é negra, e milita pela causa.

"Nós, atores, precisamos sempre buscar essa especificidade, essa inclusão. Enquanto eu crescia, as pessoas reforçavam uma diferença entre brasileiros, caribenhos, dominicanos, porto-riquenhos, negros americanos. Isso ainda existe, mas nós estamos todos conectados."

Por isso é emblemático que tenha sido ela, uma mulher da Carolina do Sul, a consagrar a carioca Fernanda Torres. E não só com a estatueta dourada, mas também com um abraço e palavras de incentivo. No discurso, antes de anunciar o prêmio, Davis exaltou todas as atrizes indicadas, citando cada uma pelo nome, dizendo que 2024 foi um ano de grandes performances femininas no cinema. Torres bateu grandes atrizes de Hollywood, como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Kate Winslet.

Não é a primeira vez que Davis reconhece a arte brasileira. Fez isso ao publicar no Instagram uma foto com Taís Araujo e Lázaro Ramos, casal que a recebeu para um jantar em casa no Rio de Janeiro. "Ah, Brasil! Esses brilhantes artistas pretos. Meu coração e minha mente estão tão cheios de suas ideias, sua visão, sua autenticidade e amor. Viva o Brasil", escreveu a americana.

O encontro aconteceu às vésperas das eleições presidenciais, quando o Brasil estava rachado numa briga política entre apoiadores de Lula e Jair Bolsonaro. E, apesar de a própria Davis já ter se pronunciado contra o Bolsonaro, política ficou de fora da mesa durante o jantar. Em vez disso, eles conversaram sobre a importância de viabilizar produções sobre a cultura negra, contou Lázaro Ramos à Folha.

No jantar, Davis conheceu também a cantora Iza e o ator Ícaro Silva, ambos dubladores de "O Rei Leão" de 2019, além de Zezé Motta e Seu Jorge.

Davis e Taís Araujo, aliás, já eram colegas antes disso. Há seis anos, foi a brasileira quem visitou a casa da atriz americana durante uma visita aos Estados Unidos —"minha irmã", disse Davis nas redes sociais à época.

Para além dos famosos, Davis exaltou também Agatha Sofia, uma sambista mirim carioca que viralizou na internet por sua habilidade na dança. Davis compartilhou em suas redes um vídeo que mostra a menina sambando, e escreveu na legenda "que linda" —em português mesmo, com emojis de coração.

Em sua passagem pelo país há três anos, Davis ainda visitou o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), onde visitou a exposição "O Impacto da Mulher na Cultura Afro-brasileira", inspirada em seu filme "A Mulher Rei". Ela passeou também pelo Cais do Valongo, no centro do Rio de Janeiro, por onde passaram mais de um milhão de africanos escravizados.

Em 2023, Davis homenageou a atriz Léa Garcia, que morreu aos 90 anos vítima de um infarto agudo do miocárdio. Disse ter sido uma honra ter conhecido a artista, que conheceu também na casa de Taís Araujo, e agradeceu pelas contribuições deixadas pela brasileira.

Meses depois, Davis voltou ao Brasil, desta vez em visita a Salvador, onde participou do Festival Liberatum, no qual discursou sobre a importância da representatividade de mulheres negras nas telas.

Viola Davis é uma das 19 artistas do mundo a ostentar o rótulo EGOT —ou seja, aqueles que já venceram pelo menos uma estatueta no Emmy, no Grammy, no Oscar e no Tony, premiações máximas da TV, da música, do cinema e do teatro, nesta ordem. No caso dela, isso ocorreu após vencer prêmios pelo seriado "Como se Defender de um Assassino", com o filme "Um Limite Entre Nós", pelo audiolivro da sua autobiografia "Em Busca de Mim", e pela peça "Fences".

Sendo assim, Fernanda Torres, premiada por um filme que fala sobre um período de censura à cultura do país, cuja história tanto interessa a Davis, foi laureada por uma das artistas mais renomadas do mundo.

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