Por que a ecologia precisa se voltar para uma nova economia

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"Foi publicado em alguma revista científica?" Fiz essa pergunta algumas vezes em Cali, Colômbia, quando me deparava com algum protocolo sobre o mercado de créditos de biodiversidade, em outubro deste ano. Enquanto os debates se intensificavam nas plenárias da Convenção sobre a Diversidade Biológica da COP16, dezenas de pessoas se aglomeravam para discutir os rumos da economia no contexto das crises ambientais.

A lógica é semelhante à do mercado de carbono. Quem protege e restaura fauna e flora pode gerar créditos para quem, de algum modo, quer ou precisa agregar valor econômico a esses ativos ambientais. Um instrumento potente para financiar a conservação e a recuperação ambiental, mas que enfrenta desafios praticamente superados nas transações envolvendo CO₂. Como medir essa biodiversidade? Atestar essa medição? Mensurar o valor de um crédito? Garantir que ele representa um ganho real para o meio ambiente?

Já há dezenas de protocolos em operação mundo afora e quase nenhum consenso sobre essas questões. E o motivo é simples. Embora a maior parte das empresas tenha um conselho de cientistas, em geral esses protocolos são desenvolvidos fora da universidade, o que não é necessariamente ruim, mas é, no mínimo, inseguro para o mercado. A academia ainda detém o melhor lastro de credibilidade para tomadas de decisões relativas à natureza. Portanto, para que o mercado de créditos de biodiversidade seja confiável e escalável, é essencial que protocolos passem pelo crivo científico.

Em paralelo, cabe a reflexão: cientistas que trabalham com biodiversidade estão preparados nessa busca por uma nova economia? Como está o cenário para o Brasil, que abriga a maior riqueza biológica do mundo e parte considerável das maiores autoridades em ecologia e conservação?

Se nós, cientistas da área ambiental, somos excelentes em diagnosticar os riscos dos impactos ambientais, não sei se o mesmo pode ser dito quanto a construir soluções, sobretudo diante da complexidade dos desafios econômicos.

O papo sobre créditos de biodiversidade é somente um em um mar de outras oportunidades. Devemos estar mais preparados para o mundo do Nature Positive, atividades econômicas que, além do impacto zero, promovem um saldo positivo para o meio ambiente.

Ainda que escassos, não faltam bons exemplos no país. Na Bahia, o Laboratório de Ecologia Aplicada da UESC, liderado pela bióloga Deborah Faria, elabora pesquisas de monitoramento e manejo que ajudam sistemas agroflorestais de cacau a agregar mais valor econômico à cadeia produtiva de chocolate. Mariana Vale, da UFRJ, tem apontado quais serviços ecossistêmicos a fauna brasileira presta à sociedade. A última lista dos cientistas mais influentes do mundo publicada pela Clarivate Analytics inclui Bernardo Strassburg (PUC-RJ/re.green), Pedro Brancalion (USP/re.green) e Mauro Galetti (Unesp), ecólogos que têm desenvolvido estudos e soluções sobre mudanças climáticas, restauração e seus desdobramentos na economia.

Há muitas demandas a serem atendidas por acadêmicos e o poder público tem um papel essencial. Ao investir em bancos de dados públicos sobre biodiversidade, por exemplo, governos podem criar as bases para tornar o desenvolvimento dessa nova economia mais rápido e atestável.

Entretanto, se os potenciais frutos estão no mercado privado, cabe a ele a maior responsabilidade por financiá-los, quando então a academia tem a oportunidade de olhar para fora e construir pontes com o setor produtivo. Projetos que possam identificar riscos e oportunidades associados à biodiversidade tendem a atrair maior financiamento, ao mesmo tempo em que geram conhecimento relevante para a ciência básica.

Sem ciência sólida, dados confiáveis e parcerias estratégicas, a oportunidade para uma economia regenerativa corre o risco de ser uma promessa vazia. O Brasil tem todos os instrumentos para liderar essa transformação, mas é urgente que academia, governo e setor privado unam forças para desenhar soluções tão complexas e resilientes quanto os ecossistemas que buscamos preservar.

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Hugo Fernandes é biólogo, professor da UECE e CIO da Seteg Soluções Ambientais.

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