Paula Macedo Weiss: Com o avanço da extrema direita, a cultura se torna importante campo político

há 1 mês 3

Com o rápido crescimento do populismo de direita transnacional, estamos ameaçados por todos os lados. Diante desses perigos, não basta reconhecer que a extrema direita opera com uma rede bem orquestrada de autocratas e fascistas em todo o mundo. É a hora de todas as nações se unirem, reagirem e aprenderem juntas como preservar a ordem livre e democrática. Pensar em liberdade, cidadania e responsabilidade coletiva (social) na construção de um país democrático deve estar vívido nas nossas mentes.

Partindo da definição de responsabilidade social como conjunto de ações e práticas do setor público, das empresas e cidadãos em prol do bem-estar, do desenvolvimento da sociedade e do meio ambiente, acho importante abrir essa discussão por uma nova chave. Para falarmos de responsabilidade social, temos que fazer um exercício de reflexão sobre contrato social, sobre a compreensão das motivações humanas para se viver em sociedade e sobre os mecanismos de solidariedade que fazem com que os cidadãos de uma nação mantenham instituições em comum.

Segundo a cientista política Nicole Deitelhoff, não há um entendimento único de coesão social. No entanto, todos os entendimentos giram em torno do que é preciso para que os membros da sociedade se defendam uns aos outros de forma solidária, para além de todas as diferenças, e possam manter instituições que funcionem em prol de um bem comum.

Com outras palavras, coesão não significa contemplar os interesses de todos em uma sociedade, que serão sempre diversos e muitas vezes antagônicos. É tarefa de todos buscar o equilíbrio nas diferentes visões de mundos e respeitar a necessidade e o direito que cada indivíduo tem de se ver representado e acolhido na organização social. Democracia não é um instrumento para oprimir minorias ou grupos sem poder. Pelo contrário, ela é ou deveria ser a prática da justiça, nas palavras do filósofo alemão Rainer Forst.

Uma sociedade não pode viver em paz se cada setor jogar só por seus interesses individuais, deixando os demais participantes abandonados nos seus anseios e impotências, pois isso cria um dilema político estrutural. Sendo assim, entender a participação política como parte imprescindível da responsabilidade social de todos os grupos da sociedade na construção de uma sociedade justa e plural, é imperativo.

Portanto, tanto para o setor público quanto para o setor privado, o empoderamento político da sociedade civil é imprescindível para a manutenção das estruturas e instituições e para a legitimação de suas ações. Diante das transformações estruturais do mundo globalizado, o Estado está se tornando cada vez mais "primus inter pares", convidando, incentivando a participação do setor privado e dos cidadãos na tomada de responsabilidade pelo bem comum. Com isso, a responsabilidade social do setor privado está saindo da esfera da filantropia e entrando numa responsabilidade política.

No Brasil, existem vários dispositivos constitucionais, como a função social da propriedade, o serviço militar obrigatório, a obrigatoriedade de voto no sistema eleitoral brasileiro –todos são formas de exercício de responsabilidade social. Estes e outros institutos e elementos estão presentes na tradição de Estado forte como no Brasil, na Alemanha e outros países na Europa ocidental, mas ante as inúmeras crises dos últimos anos não são mais suficientes.

A geração ESG é, a meu ver, uma versão atualizada da responsabilidade social ante o bem-estar publico e o meio ambiente e a prova cabal de que ou reagimos ou perderemos como sociedade. Assumir a nossa responsabilidade pessoal ante o coletivo é mais atual e necessário do que nunca.

Importante nessa discussão sobre responsabilidade social é pensarmos também num terceiro setor: o setor cultural. A arte é livre e como tal uma autoridade crítica para questionarmos a verdade que acreditamos ser certa. Ela tem um papel essencial no registro da memória, na construção e no resgate de valores fundamentais e democráticos em uma sociedade.

O filósofo Walter Benjamin, no seu ensaio "A obra de arte na época de sua reprodutividade técnica", discorre sobre a função social e política da arte na sociedade moderna. Já o artista alemão Joseph Beuys não insistia só na responsabilidade social da arte, mas pleiteava que todo indivíduo teria a obrigação, com a sua criatividade, de participar na formação da plástica social. Ou seja, no seu entendimento, a responsabilidade social está interligada à participação política.

"Quem pertence e quem não pertence, quem tem uma palavra a dizer ou quem é deixado de fora também é definido pelas ofertas culturais e o acesso a estas. Conforme a globalização avança, a cultura se torna mais importante como campo político", vaticina a secretária de cultura de Frankfurt, Ina Hartwig.

A exemplo disso, vejamos o caso da Fundação Bienal de São Paulo, que desde 2010 tem implementado medidas para aumentar a sustentabilidade ambiental e reduzir sua pegada de carbono. No âmbito do desenvolvimento humano, desenvolveu uma política de diversidade e inclusão, acompanhada pela adoção de um guia LGBTQIA+ e a implementação de uma política de respeito à diversidade e enfrentamento do assédio.

A Fundação anunciou que o título oficial da próxima mostra em 2025 será "Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática". Seu curador geral, dr. Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, diretor do Haus der Kultur der Welt, Berlim, propõe uma exposição baseada na ideia de estuário, onde mundos se encontram criando um espaço de confluência e coexistência. A proposta da Bienal é repensar a humanidade como verbo, uma prática viva, em um mundo que exige reimaginar as relações, as assimetrias e a escuta como base de convivência.

Só podemos ganhar enquanto sociedade, se entendermos que as responsabilidades sociais e políticas são partes constitutivas do nosso pacto social e fundamentais para a coesão, a construção da cidadania e a moldagem de uma sociedade justa e igualitária.

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