A farmacêutica brasileira EMS, dona da maior carteira de genéricos do país, obteve aval da Anvisa para produzir uma droga prima do Ozempic. Segundo Iran Gonçalves Jr., diretor médico do grupo fundado pelo pai do bilionário Carlos Sanchez, a companhia dará uma salto a partir de agora.
Produzirá medicamentos voltados para o emagrecimento muito mais baratos do que os importados e com entrega rápida devido ao novo sistema de fabricação, mirando o SUS e exportações para os EUA e Europa.
Vocês vão fabricar o similar do Ozempic?
Ele é protegido por patente e estamos esperando ela cair. Mas são todos primos: Saxenda, Ozempic e Mounjaro.
A autorização é para qual?
A Anvisa deu autorização para produzirmos o que é baseado na liraglutina. Ela é menos potente que a semaglutida, que é a nossa próxima [medicação]. Mas são todos parentes. A grande diferença é o mecanismo de ação. A gente não tem similar do medicamento, nem do processo de produção. O peptídeo é uma pequena proteína e, com uma linha de produção, você pode fabricar diversos medicamentos [nessa base].
O aval é para a substância e para a linha de montagem?
Exato.
O que é diferente na produção?
A fabricação de insulina e de outros peptídeos, como a semaglutida [Ozempic], é feita em tanques, e, como a cerveja, por fermentação. São bactérias geneticamente modificadas que produzem o medicamento que você colocar no código genético delas. No nosso processo, tudo é feito sinteticamente, sem bactérias, e em escala industrial.
Qual é a vantagem?
Primeiro, teremos similares. Hoje esses medicamentos são importados. Essa nova forma de produzir permite que o processo fabril seja muito mais rápido e muito mais barato.
Isso dá ao EMS competitividade global?
O Brasil entra agora nessa corrida tecnológica. O plano é, inclusive, vender nos EUA. A fábrica foi aprovada pelo FDA [a Anvisa norte-americana], o que é uma coisa inédita no Brasil. Então, foi uma vitória até da própria Anvisa.
O SUS deve ser um grande comprador porque muitas doenças orbitam a obesidade, não?
Esse é o principal ponto, porque diminui o gasto de saúde no futuro. Tem menos infarto, menos AVC [derrames], menos hipertensão, menos insuficiência renal, menos diálise.
Essas drogas são boas para tudo mesmo?
O primeiro medicamento que saiu era para o controle da diabetes. Com os primeiros estudos clínicos, com dezenas de milhares de pacientes, percebeu-se que as pessoas perdiam muito peso. Depois, essa via metabólica começou a ser vista como boa para tudo. Por isso que todo dia sai uma notícia nova, principalmente com a semaglutida, que é boa para a prevenção de Alzheimer e Parkinson. Ela ajuda na intoxicação alcoólica, diminuindo o número de episódios. Quem tomou semaglutida na época do Covid morreu menos.
Mas a ideia é combater a obesidade.
A gente começou a abrir o olho para isso porque, antes, não tinha tratamento para a obesidade. A população brasileira tem 40% de obesos. Nos EUA, eles são metade da população. Tudo que era difícil teve resposta melhor [com a medicação]: o tratamento de hipertensão, da diabetes. Ah, mas então nós estamos vendo isso só para todo mundo ficar magrinho? Não, você começou a diminuir a incidência de infarto, derrame e AVC.
Não dá para resolver só com dieta e exercício?
Sou cardiologista. No consultório, era aquele desânimo, aquela história [do paciente] que não consegue perder peso e contrata um personal. Não resolve. Isso não funciona aqui, nem nos EUA, nem na Inglaterra. Não vou entrar no mérito sociológico da questão, mas há um problema: a população está crescendo e são milhões de obesos. Você vai curar tudo com remédio? Não é colocar muita esperança no medicamento, mas ele é um arma terapêutica que pode ser usada.
Raio-X | Iran Gonçalves Jr.
Médico formado pela Universidade Federal Fluminense com doutorado em cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo (1997) e MBA em Gestão de Negócios de Alta Tecnologia pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). No grupo EMS/NC, dirige mais de 900 pesquisadores.