Othon Bastos revisita sua carreira em emocionante monólogo

há 1 semana 5

Em um dos tantos belos momentos do espetáculo "Não me entrego, não!", primeiro monólogo do lendário Othon Bastos, o ator parafraseia outro gigante dos palcos, Denzel Washington: "o cinema é do diretor, a TV é do editor, mas o teatro é DO ATOR." Essa frase, aparentemente simples, sintetiza não apenas a experiência artística de ambos, mas também o coração do que torna o teatro uma arte única – e a performance de Bastos na peça é a prova viva dessa máxima.

A observação revela uma verdade fundamental sobre cada linguagem. No cinema, o ator é um elemento crucial (mas não absoluto) de um todo controlado pela câmera e pela visão do diretor. A televisão redefine performances, corta cenas e até altera o tom da atuação. No teatro, porém, não há cortes, retakes ou close-ups. A relação é direta, orgânica e irrepetível: o ator, com seu corpo, voz e presença, é o soberano daquele instante.

E é justamente essa soberania que Othon Bastos exerce com excelência nessa montagem. Sozinho no palco – apenas com a ajuda da "memória" (a atriz Juliana Medella) – sem a mediação de câmeras ou edições, ele conduz o público por suas reminiscências com a liberdade e o risco que só o teatro permite. Cada pausa, cada olhar, cada variação de tom é uma escolha dele, vivida e entregue em tempo real.

A fala também ecoa o tema central do espetáculo: a resistência – ideia que se reflete na própria carreira de Othon, que, mesmo consagrado no audiovisual, sempre retornou aos palcos, onde sua voz e seus gestos não são recortados, mas sim amplificados na relação direta com a plateia.

A simplicidade da montagem – sem cenários complexos ou efeitos tecnológicos – reforça essa premissa. Da ironia ao pathos, tudo depende dele: das histórias sobre Glauber Rocha e o Cinema Novo às lembranças do Teatro Duse, de Paschoal Carlos Magno, da versão polêmica de "Otelo" no Colégio Rio de Janeiro às grandes encenações no Teatro Oficina com Zé Celso. Histórias não faltam.

Ao escolher um monólogo para celebrar seus 91 anos, Othon Bastos não apenas revisita sua história, mas também reivindica o teatro como território último da liberdade artística. Sua performance é a prova de que, enquanto houver atores com essa coragem e entrega, o palco seguirá sendo um espaço de magia e potência, pois "o teatro é DO ATOR", em toda sua vulnerabilidade e força sem nunca se entregar.

Três perguntas para...

...Othon Bastos

Em um momento da peça o senhor diz que o teatro é "do ator", diferente do cinema e da TV que dependem mais de editores e diretores. Poderia aprofundar essa reflexão? Como essa autonomia do teatro se reflete no seu trabalho neste monólogo?

Essa frase foi dita por Denzel Washington, em uma entrevista, um ator extraordinário que faz Shakespeare, faz "Otelo" e "Ricardo 3º", um homem dedicado ao teatro. Ele diz ainda: "é por isso que eu digo aos jovens atores, que subam no palco, porque é no palco que você aprende a atuar". O que ele fala é perfeito, porque realmente no teatro é que você aprende como vivenciar um personagem, como ser um personagem. Do teatro você faz televisão, faz cinema, faz boate, faz show, faz o que você quiser, mas o cerne mesmo, a semente, está no teatro. E eu confio que o teatro é do ator. Ele está solitário no palco, ele É ali no palco. O palco é onde ele aprende tudo e onde ele vive tudo.

O que mudou no teatro brasileiro ao longo da sua carreira até hoje? Sente falta de alguma coisa e o que acha que evoluiu positivamente?

Você, no teatro, evolui na proporção em que você trabalha, que você faz. Cada peça é um mundo. Tem uma frase extraordinária de um ator que diz "eu vejo o mundo através dos olhos do personagem". Então, muda tudo a cada época. Qual é a peça que você acha que nós poderíamos fazer na época da ditadura militar, onde passamos 10, 20 anos de repressão violenta? O que você quisesse montar, você não conseguia. O teatro foi definhando nesse período. Agora o teatro está voltando com força total, como o cinema, graças à Fernandinha, no exterior, está voltando com força total e voltará com força total. O Brasil está se reabilitando, quer dizer, tudo está recomeçando. O mal é que nós estamos sempre recomeçando e nunca confirmando.

O senhor deixou claro com esse espetáculo que não vai se entregar e seguirá trabalhando. O que ainda sonha em fazer no palco, no cinema ou na vida?

Quando eu disse que não me entrego, não, é porque eu jamais me entregarei, mesmo. Agora, o que eu vou fazer no futuro, só o futuro saberá. O que eu tenho, por enquanto, como objetivo, é levar essa peça aonde ela possa ser levada. Eu quero dar esse recado para todo mundo. Não se entregue, seja quem for, qualquer um. Porquê se você se entregar acabou. Só envelhece aquele que já desistiu de viver.

Sesc 14 Bis - r. Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista, região central. Sex. e sáb., 20h. Dom., 18h. Dia 21 (feriado), 15h Até 21/4. Duração: 100 minutos. A partir de R$ 21, em sescsp.org.br e nas bilheterias das unidades.

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