Maestro Spok sobe ao palco com 20 minutos de atraso. Algo raro, e até curioso, por se tratar de uma apresentação numa unidade Sesc, notório pela pontualidade de suas atividades. Impecavelmente vestido com terno e colete cor de chumbo e ainda um chapéu preto, Spok carrega um sax tenor em uma mão e um sax alto na outra.
Sorri para os colegas já postados no cenário, e, cuidadosamente, coloca os instrumentos nos suportes. Pega o microfone e explica a razão do atraso: um saxofone quebrou momentos antes do show.
Para seu alívio, foi socorrido pelo amigo Teco Cardoso, um dos maiores nomes da música instrumental brasileira, que levou um sax substituto para o pernambucano. Ex-aluno de Moacir Santos, Cardoso sentou na plateia com a companheira, Mônica Salmaso, que distribuiu sorrisos e selfies, fazendo o público do Sesc Consolação esquecer da demora.
Para não perder tempo, Spok e seu quinteto, formado pelo lendário baterista Adelson Silva, os guitarristas Renato Bandeira e Liêve Ferreira e ainda o baixista Helio Silva, começam o espetáculo num ritmo alucinante.
No melhor estilo de seu jazz frevo, que flerta com o bebop, Spok e seus colegas incendeiam o Teatro Anchieta com três frevos de rua, de sua autoria: "Moraes É Frevo", "Mestre Giba" e "Passo de Anjo".
A cascata frenética de notas, seja do sopro de Spok ou das cordas dos excelentes Renato Bandeira e Liêve Ferreira, deixaria Charlie Parker e Dizzy Gillespie satisfeitos. A verborragia musical não é cansativa graças a dinâmica entre os músicos, que parecem brincar entre escalas pentatônicas e fraseados típicos do frevo.
Mas o espetáculo não é só de música instrumental. Spok é um verdadeiro mestre de cerimônias. Não à toa, ele subverteu o modus operandi dos condutores de orquestras, sempre de costas para o público. Seja com seu quinteto, ou mesmo nas ruas de Recife, ele é o cara da linha de frente.
Spok conta histórias. Suas memórias pessoais se misturam com a própria história do frevo. Didático, ainda explica sobre as variações do gênero, que afirma ser ao lado do chorinho, os únicos estilos instrumentais autóctones brasileiros.
Arrancou gargalhadas do público ao contar sobre o início de sua carreira. Com apenas 13 anos, ia escondido dos pais a um cabaré. Lá, da janela, ficava admirando um saxofonista chamado Calixto. Sempre embriagado no palco, seu ídolo pueril tocava literalmente trançando as pernas na Rosa Drinks, casa noturna na cidade de Abreu e Lima, região metropolitana de Recife.
Antes de executar "Três da Tarde", conta a história do clássico frevo, composto nos anos 1940 por Lídio Macacão. Lídio era cozinheiro do Náutico, onde trabalhava vestido de macacão, daí a razão de seu apelido.
Os três acordes iniciais da música foram inspirados num antigo carrilhão do prédio do Diário de Pernambuco, que tocava de hora em hora, no centro de Recife. Macacão marcou para receber uma dívida ao meio-dia, mas o penhorado chegou apenas às três da tarde. Com fome, pois dependia do dinheiro para almoçar, fez a melodia do frevo e guardou na memória, Lídio compunha de ouvido e depois pedia para algum músico escrever a partitura.
"Recife, Cidade Lendária", de Capiba, e "Frevo Diabo", de Edu Lobo e Chico Buarque, foram pontos altos dos arranjos jazzísticos do quinteto, com solos marcantes de Spok. O maestro ainda se emocionou ao falar da cultura popular nordestina e recitar uma quadra que lembrava seu pai.
Após o final do show, quando os roadies já recolhiam instrumentos e equipamentos de som, Spok foi tocando em meio a plateia que já se retirava. Tudo terminou em um surpreendente Carnaval fora de época, com direito até o hino de Pernambuco no saguão do sisudo Teatro Anchieta.