Por favor, não me entenda mal. O resultado divulgado na última quarta-feira (16) por um grupo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, é fantástico. Pode muito bem ser a primeira evidência concreta da existência de vida extraterrestre. Mas ainda não estamos lá.
Recapitulando: o grupo liderado por Nikku Madhusudhan, de Cambridge, usou o Telescópio Espacial James Webb para obter o espectro de transmissão de K2-18b (astronomês para a detecção da assinatura de luz da atmosfera de um exoplaneta), um mundo 2,6 vezes maior que a Terra orbitando uma estrela anã vermelha a 124 anos-luz daqui. Nesse espectro, eles dizem ter encontrado sinais de duas moléculas orgânicas, dimetilsulfureto (DMS) e dimetildissulfureto (DMDS).
Aqui, esses compostos estão associados à vida marinha, em especial fitoplâncton. A quantidade medida pelos astrônomos na atmosfera de K2-18b, segundo sua própria análise publicada no Astrophysical Journal Letters, seria maior que a terrestre. Se for produto de vida, indicaria uma atividade biológica cerca de 20 vezes maior que a dos nossos oceanos.
O estudo casa bem com resultados anteriores do mesmo grupo, que detectaram compostos como metano e dióxido de carbono na atmosfera do planeta, bem como um sinal menos conclusivo de DMS e DMDS –informações que se alinham com a ideia de que esse mundo, de tamanho intermediário entre a Terra (o maior dos planetas rochosos do Sistema Solar) e Netuno (o menor dos gigantes gasosos), seria o que eles chamam de hiceano. A expressão vem da mistura de "hidrogênio" com "oceano" –sugerindo que o planeta tem uma atmosfera dominada por hidrogênio (como ocorre nos planetas gigantes), mas com um oceano global de água líquida sobre a superfície.
Agora, tudo isso de fato corresponde à realidade? K2-18b é um planeta hiceano? As moléculas detectadas estão mesmo lá? São de fato produzidas por vida?
Começando pelo que é mais objetivo: a existência das moléculas. "Enxergá-las" no espectro não é algo tão direto quanto pode parecer. Esse sinal, mesmo com um equipamento sofisticado como o Webb, vem com ruído, e traz muitos dos componentes atmosféricos agrupados. Cabe aos cientistas modelar o espectro para "limpar" o que é "ruído" e ficar com o que é "sinal". Como forma de validar suas conclusões, o grupo de Cambridge fez isso de duas maneiras diferentes, e ambas deram boa confiança de que a detecção é real. Quão boa? Mais de 99,7%. A dúvida, portanto, ainda tem um intervalo de 0,3%. Isso pressupondo que a análise dos pesquisadores é válida, o que pode ser corroborado ou refutado por estudos independentes. A incerteza também pode cair com mais observações do Webb, de forma que esse é o problema mais encaminhado. Em breve saberemos se a detecção é real.
Resta então todo o resto, que envolve interpretação: estamos diante de um planeta hiceano? Somente vida pode explicar a detecção dessas potenciais bioassinaturas orgânicas?
Essas respostas no momento dependem de preencher lacunas. Pega-se o pouco que se sabe, modela-se que tipos de planeta ele pode ser e então verifica-se qual dos modelos se encaixa melhor nos dados. É algo como tentar adivinhar a imagem de um quebra-cabeças de mil peças a partir de duas ou três delas. Felizmente as leis da física limitam as possibilidades, de modo que não é um total tiro no escuro. Ainda assim, é uma tarefa complexa.
Por fim, como determinar que as moléculas são mesmo produto de vida? De novo, os pesquisadores precisam exercitar a imaginação: haveria modos alternativos pelos quais elas fossem produzidas na quantidade observada sem envolver atividade biológica? Após matutar sobre essas possibilidades, Madhusudhan e seus colegas sugerem que não. Mas certamente outros cientistas vão se debruçar sobre o tema, e veremos um longo e belo debate científico sobre o que realmente os dados brutos tentam nos contar sobre K2-18b.
A maravilha da coisa toda é que atingimos o estágio tecnológico em que essas questões começam a sair do campo da especulação pura para as observações científicas. O Telescópio Espacial James Webb está cumprindo a promessa de viabilizar a caracterização de exoplanetas com o objetivo da busca por bioassinaturas. Estamos no limiar de obter a resposta sobre se estamos sozinhos ou não no Universo. Não é pouca coisa
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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