Nem só de Carde (o exuberante museu de carros, história e design em Campos do Jordão) vive o antigomobilismo nacional de alta categoria. No último fim de semana foi realizado em São Roque (SP) o 1º Encontro de Veículos Antigos do Sudeste, que reuniu 200 automóveis, picapes e motocicletas, atraindo um público estimado em 10 mil pessoas ao longo de três dias de programação.
O evento foi promovido pelo museu Dream Car, lá de São Roque mesmo, e contou com o apoio da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA). O sucesso foi tamanho que já se fala em uma segunda edição no ano que vem.
Os carros foram expostos na pista do kartódromo do Dream Car. Tinha muita coisa boa para todos os gostos, desde clássicos dos anos 30, como o Cord 810, a um quarteto de Ferrari Testarossa (cada uma de uma cor) rugindo seus motores “12 cilindri piatto", além de muscle cars norte-americanos dos anos 70 e toda sorte de esportivos brasileiros da era de ouro da fibra de vidro.
No domingo, último dia do encontro/exposição, o Lancia Lambda 1927 de Guilherme Augusto Marx recebeu dos jurados o prêmio de Best of Show. Esse carro tem uma longa história no Brasil e foi salvo há muitos anos pelo saudoso colecionador Flavio Marx, que transmitiu a seus filhos Guilherme e Mauricio o amor aos automóveis antigos.
Mais do que apreciadores de bibelôs de garagem, os irmãos Marx gostam de usar intensamente seus clássicos tanto na estrada quanto na cidade. Não faz muito tempo, recebemos um “flagrante em vídeo” do saudável Lancia Lambda fazendo trânsito em plena Avenida Paulista.
Em 2023, esse Lancia levou um trato para ficar com o visual impecável. Desde então, tem sido homenageado nos encontros.
“Esta é a segunda premiação que o Lancia conquista neste ano. É uma sensação indescritível receber essa honraria em um evento tão maravilhoso como este. O carro tem muita força e é ótimo para viajar, chamando bastante atenção pelos lugares por onde passa”, conta Guilherme.
Foto de: Jason Vogel
Lancia Lambda 1927 - Best of Show (Foto Adair Santos - Divulgação)
PIONEIRO DO MONOBLOCO
Poucos automóveis foram tão inovadores quanto o Lancia Lambda. Apresentado em 1922, o modelo estreou no mercado a estrutura tipo monobloco e a suspensão independente na dianteira. Era um carro ágil e confortável, como convinha a seu criador.
A história da marca italiana começa em 1906, quando Vincenzo Lancia, piloto de provas da Fiat, fundou uma pequena fábrica de carros com alta classe e desempenho. Para batizar os primeiros modelos foram usadas letras do alfabeto grego — sugestão de um professor de literatura, tio de Vincenzo. Assim surgiram os Lancia Alpha (1907), Theta (1913) e Kappa (1919).
A revolução para valer veio em 1922, quando Vincenzo juntou num só carro — o Lambda — várias soluções incomuns na época. A principal era o monobloco: em vez de uma carroceria separada do chassi, as partes superior e inferior do automóvel formavam uma estrutura só. Para manter a rigidez, havia seções de metal atrás dos bancos dianteiro, traseiro e em torno do radiador.
Foto de: Jason Vogel
O Lambda ainda se vira bem no trânsito de 2024 (Foto Adair Santos - Divulgação)
Com o monobloco, foi possível fazer um carro leve e baixo, já que o eixo cardã passava por dentro de um túnel integrado à estrutura. Até então, as carrocerias ficavam acima do cardã. Na dianteira, usou-se uma suspensão independente, em vez dos eixos rígidos que eram praxe.
O motor tinha quatro cilindros em V, mas num ângulo bem fechado. O bloco era de alumínio, com comando de válvulas no cabeçote. Dutos de admissão e escape ficavam escondidos, num desenho limpo. Os primeiros motores, de 2,1 litros, rendiam 45 cv. Com o tempo, a cilindrada chegou a 2,6 litros, com potência de 69 cv. Esses motores V4 alcançavam 4.000rpm — altíssima rotação nos padrões dos anos 20.
Havia ainda freios nas quatro rodas, um luxo naquele tempo. No geral, o Lambda era rápido (alcançava os 120 km/h), extremamente suave e fácil de ser controlado. Apesar de ser um carro de passeio, foi usado com sucesso em competições.
NO BRASIL
Entre as décadas de 1910 e 1920, a marca Lancia teve forte presença no Brasil, onde era representada pela firma carioca Colombo, Gamberini & Cia. e também pela famosa fábrica paulista de carrocerias Grassi. Os anúncios da época (1926) falavam até de um Lancia Lambda “modelo São Paulo, estudado e construído para nosso país”! A publicidade apregoava o vão livre de 23 cm e o “sistema original de molas”, que evitava solavancos — características importantes naqueles tempos de poucas estradas asfaltadas.
Até 1931, foram feitos 12.999 Lambda. Em nove anos, o carro foi aprimorado (nove séries diferentes), mas o projeto básico manteve-se igual. Hoje, quase todos os carros têm monobloco e suspensão independente. Isso mostra que Vincenzo Lancia estava no caminho certo.