Há quem diga que a ciência é neutra, imparcial e alheia às dinâmicas históricas, sociais, econômicas e culturais. Essa percepção perigosamente ingênua, porém, não resiste a uma profunda análise do empreendimento científico e sua real natureza no Brasil.
A baixa representatividade de profissionais negros em áreas como astronomia e astrofísica revela como o desenvolvimento científico, longe de ser imparcial, reflete as desigualdades sociais que, há séculos, marcam o nosso país.
Desde a época colonial, a população negra vem sendo sistematicamente excluída de espaços e oportunidades, o que impacta as gerações atuais, refletindo-se nas estatísticas de formação de profissionais, especialmente em áreas como a física e a astronomia.
Estudos recentes mostram que, embora a população negra represente aproximadamente 55% dos brasileiros, a proporção de astrofísicos negros é inferior a 10%. Essa disparidade alarmante é resultado de barreiras socioeconômicas e educacionais, como a falta de acesso e permanência a escolas e a escassez de políticas de inclusão que incentivem a presença de estudantes negros em cursos de ciências exatas.
A baixa representatividade de profissionais negros no mercado de trabalho, como um todo, também se reflete em outros segmentos.
Pretos, junto a pardos e indígenas, somam 7,4% do universo de professores em cursos de pós-graduação nas chamadas áreas STEM, sigla em inglês para ciências, tecnologias, engenharias e matemática. Já os docentes brancos são 90,1% dos professores, proporção 12 vezes maior que a de negros e indígenas.
As barreiras para a inserção de profissionais negros na astrofísica são múltiplas e estruturais, como a desigualdade racial na educação básica e a falta de representatividade em universidades e centros de pesquisa, o que desencoraja estudantes negros a se interessarem por áreas como a astrofísica.
Num passado recente, problemáticas da física como a "radiação de corpo negro" estavam no foco dos debates. Atualmente, a comunidade científica persegue outra questão envolvendo "corpos negros", que se afasta do campo teórico para adentrar um outro campo, repleto de lutas, debates e conquistas sociais entre acadêmicos, movimentos sociais e diferentes setores da sociedade.
É neste contexto que nasce a exposição "Astrofísica dos Corpos Negros", que será itinerante e pode ser visitada por meio do site astrofisicacorposnegros.com.br. A versão física da exposição foi inaugurada no dia 13/11 no Planetário de Brasília, com entrada gratuita, e ficará em exibição até 28 de dezembro de 2024.
A exposição pretende divulgar a astrofísica entre estudantes da educação básica de escolas públicas e o público em geral, conscientizar para a desigualdade étnico-racial e de gênero, além de incentivar jovens cientistas a partir da trajetória e perspectiva de astrofísicos negros brasileiros. Isso, explorando tópicos dessa ciência, como nebulosas, aglomerados estelares, gigantes vermelhas, raios cósmicos, entre outros.
Assim, busca promover reflexões junto à academia e às autoridades, no sentido de contribuir para a superação da sub-representatividade científica e a construção de uma sociedade mais justa para todos e todas.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Eliade Ferreira Lima foi "Meninos Aguaterra", de Renato Teixeira.