O poderoso órgão de vigilância de dados da China propôs controles mais rígidos sobre as informações online dos usuários, incluindo a implementação nacional de IDs digitais, em uma medida que encontrou forte resistência de especialistas em tecnologia.
A CAC (sigla em inglês para Administração do Ciberespaço da China), juntamente com o MPS (Ministério da Segurança Pública) do país, divulgou na última sexta-feira (26) regulamentos preliminares para emitir IDs digitais unificadas para usuários da internet. A preocupação com a ideia aumentou nos últimos dias.
As IDs, que seriam administradas conjuntamente pelo CAC e pela polícia, são inicialmente concebidas como voluntárias e seriam usadas em vez de nomes reais e números de telefone para se registrar em plataformas de internet.
Mas a proposta poderia ampliar drasticamente a supervisão das autoridades sobre o comportamento online, potencialmente cobrindo todo tipo de atividade, desde o histórico de compras na internet até itinerários de viagem.
Tom Nunlist, diretor associado da consultoria Trivium, focada na China, disse que as propostas poderiam "expandir significativamente a capacidade do governo de monitorar a atividade das pessoas online. Isso daria à polícia uma visão muito maior do que as pessoas estão fazendo online."
Sob as regras existentes, os usuários da internet na China devem usar sua identidade pessoal ou número de telefone para se registrar em plataformas como WeChat e o site de microblogging Weibo. Isso permite que as plataformas e as autoridades policiem a atividade online, como combater o cyberbullying e a desinformação, além de censurar discussões críticas ao governo.
Nunlist disse que confiar em IDs pessoais capacitou as empresas de plataforma a coletar dados de usuários que poderiam ser usados para seu ganho financeiro. Substituir IDs pessoais por IDs digitais anônimas permitiria ao Estado monitorar a atividade online enquanto limita a capacidade das empresas de rastrear o comportamento do consumidor.
Nos últimos anos, Pequim reprimiu o que chamou de práticas abusivas das empresas de internet para coletar dados de consumidores, emitindo multas e introduzindo novas leis que regem a regulamentação de dados.
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Mas alguns estudiosos do direito questionaram as motivações dos reguladores em enfraquecer o acesso das plataformas aos dados dos usuários. Lao Dongyan, professor de direito penal na Universidade Tsinghua, escreveu no Weibo que a "alegação de proteger informações pessoais é uma fachada" e que a "verdadeira intenção" dos regulamentos preliminares era "regular o comportamento online das pessoas".
Ela disse que o sistema proposto seria semelhante a "instalar um monitor para o comportamento online de todos, com todos os rastros online, como o histórico de buscas na internet, facilmente coletados".
Alguns especialistas também questionaram se o governo estava melhor posicionado do que as empresas para gerenciar dados sensíveis. Yu Jianrong, professor aposentado da Academia Chinesa de Ciências Sociais, escreveu no Weibo que as regras preliminares levantavam "riscos sociais", incluindo a ameaça de criminosos acessarem um banco de dados unificado do comportamento online dos usuários.
A confiança dos usuários da internet chineses no governo para armazenar dados com segurança foi severamente testada em 2022, depois que hackers apreenderam um enorme conjunto de informações pessoais da polícia de Xangai, que especialistas em segurança cibernética na época descobriram que haviam sido deixadas online e desprotegidas por meses.
Yu também questionou a base legal para a mudança, citando uma "falta de autoridade" para a aplicação de IDs online. Lao também disse que as regras propostas "carecem de uma base legal de leis superiores".
O CAC não respondeu ao pedido de comentário. O MPS não pôde ser contatado para comentar.
James Gong, parceiro e especialista em proteção de dados do escritório de advocacia Bird & Bird, argumentou que as regras propostas ofereciam aos usuários "uma alternativa para fornecer suas informações pessoais mais sensíveis" às empresas de internet e "reduziam a possibilidade de suas informações pessoais sensíveis serem divulgadas ou mal utilizadas".
Ele acrescentou: "Este é um regime voluntário para os indivíduos, pelo menos neste momento."
O MPS publicou um aplicativo piloto nas lojas de aplicativos chinesas para testar o esquema de ID digital. De acordo com o aplicativo, a plataforma de mídia social Xiaohongshu e o gigante do comércio eletrônico Taobao, de propriedade da Alibaba, se inscreveram para testar o novo esquema de verificação.
Shen Kui, professor de direito na Universidade de Pequim, escreveu em um artigo publicado na conta WeChat da universidade que uma ID digital unificada que capturasse toda a atividade online faria com que os usuários hesitassem em postar online e limitasse a "vitalidade da economia digital".
Nunlist disse que a forte resposta à mudança proposta destacou a importância da proteção de dados. "Há uma visão equivocada de que os chineses se importam menos com sua privacidade e intrusão do Estado do que em outros lugares. A apreensão sobre essa mudança de regra é uma demonstração bastante poderosa de que isso não é verdade."