Opinião - Wilson Gomes: Performance e poder: A comunicação política da primeira-dama

há 1 mês 2

No início, achei que fosse um vídeo forjado, um fake. Não parecia plausível que a primeira-dama do país fizesse uma declaração daquelas. "Eu não tenho medo de você. Inclusive, fuck you, Elon Musk", disse ela, em uma performance cuidadosamente coreografada, com pausas dramáticas, impostação de voz e interação com o público. Uma voz em off reforçava e dava ênfase à interpretação. A plateia, cúmplice, ria e aplaudia.

Logo, um novo corte surgiu. Desta vez, o alvo da comicidade era o homem que planejou e executou um ataque a bomba ao STF, descrito por ela, entre risos, como "o bestão lá, que acabou se matando com fogos de artifício".

Com o novo vídeo, o contexto ficou claro: a primeira-dama estava palestrando sobre fake news e a necessidade de regulação das plataformas, em um evento oficial do G20 Social. Musk, visto como a personificação do mal digital, e o "bestão" radicalizado que se explodiu ao tentar um ato terrorista, serviam para ilustrar os perigos que plataformas sem regulação podem causar.

Não é a primeira vez que a comunicação política da primeira-dama me assombra recentemente. Pouco se falou na imprensa, mas as mais de duas décadas em que estudo comunicação eleitoral me permitem classificar como um golpe baixo o vídeo divulgado às vésperas do 2º turno das eleições paulistanas, no qual mulheres famosas alertavam que a eleição de Ricardo Nunes colocaria em risco 6 milhões de vidas femininas paulistanas.

"A sua vida e de outras 6 milhões podem estar nas mãos dele pelos próximos quatro anos", ameaçava o vídeo. "Estaremos seguras nas mãos de um homem com esse histórico sendo prefeito de São Paulo? ". "Se um homem não respeita uma mulher com quem divide a casa, o que ele é capaz de fazer com mulheres que nem conhece?". A última pessoa a falar no vídeo foi justamente a primeira-dama do Brasil, autenticando e endossando a campanha do medo e pedindo votos no adversário do prefeito.

É fato que a campanha paulistana foi marcada por ataques agressivos e golpes baixos, e o vídeo seguiu essa linha. Mas precisava a primeira-dama envolver-se nisso? Não se pode argumentar que a vida das mulheres paulistanas estivesse realmente em risco e que a primeira-dama fosse a cavalaria. Por mais que se possa desaprovar a figura de Nunes, ele já era prefeito de São Paulo e não consta que tivesse feito qualquer coisa "com mulheres que ele não conhece" e representado uma ameaça a 6 milhões de vidas femininas "em suas mãos" durante o exercício do mandato. Tudo não passava, pois, de uma tentativa da primeira-dama do país de queimar um adversário político, e, mais grave, numa eleição municipal.

Qual seria a racionalidade por trás de tudo isso? Não sei. Primeiras-damas que se comportam como celebridades não são novidade, assim como não são raras as que efetivamente foram protagonistas em bons e maus governos mundo afora. É do jogo. Mas a primeira-dama do Brasil age como uma influenciadora digital, uma celebridade que responde apenas pelos próprios atos, e não como parte da instituição da Presidência da República. Suas ações, contudo, refletem no chefe de Estado e de Governo. E no país.

Se fosse apenas uma celebridade, insultar Musk, mesmo de forma chula, poderia ser aceitável, considerando-se as questionáveis qualidades do alvo. Mas continua vigente antiga máxima romana segundo a qual quem está casado com César não deve apenas ser sensato, ponderado, honesto e justo; precisa também parecer ser tudo isso. Especialmente quando a figura pública reivindica e faz questão de exibir, como faz Janja, um nível de influência e poder político que não encontra paralelo em nenhuma outra primeira-dama da República, até onde minha memória alcança.

Como alguém imersa no mundo digital, é surpreendente que a primeira-dama não tenha compreendido que, na era dos smartphones e das mídias sociais, não há mais "festa privada", "quatro paredes", ou "público amigo". O que não se quer que todos ouçam, não deve ser dito em público.

O resultado está à vista de todos. Quem já não gosta da primeira-dama ganhou mais um item colecionável para alimentar o próprio desprezo; os que a admiram buscam panos quentes ou ficam sem ter o que dizer; e os que detestam igualmente bolsonaristas e petistas veem nisso mais um exemplo de como é tudo farinha do mesmo saco. E assim, na loucura desses dias, vimos bolsonaristas, logo eles, cobrando compostura e decoro da mulher do presidente, enquanto petistas exaltam a autenticidade afrontosa da primeira-dama. E o país que se entenda nesse mundo invertido.

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