Há uma máxima destes novos tempos cuja inobservância inevitavelmente aumenta a taxa de infelicidade de quem ganha a vida publicando em jornais, revistas ou qualquer veículo de informação online: não leia os comentários. É um princípio que há quase 25 anos tenta ajudar aqueles que se dedicam a análises, críticas ou, simplesmente, como se diz hoje, à produção de conteúdos para consumo digital, a preservar algum contentamento e autoestima.
Essa máxima vale para qualquer assunto, mas especialmente para os que frequentemente dividem opiniões: futebol, política, religião, moral, celebridades ou até se um desconhecido deveria ceder seu lugar na janela do avião. Em resumo, a quase tudo, pois no verão de 2024 não há coisa que se ame mais do que odiar.
O crítico —seja da mídia tradicional ou dos novos canais digitais— publica sua análise e hesita: de um lado, deseja acompanhar a repercussão de seu trabalho; de outro, sabe que não deve olhar nos olhos da Medusa dos comentários. Se é sábio, contenta-se com as métricas ou com o retorno de interlocutores de confiança. Abrir a seção de comentários, porém, é reservado aos que aceitam o risco de descobrir que ilustres desconhecidos tiraram minutos de suas vidas para demonstrar o quanto o consideram canalha, estúpido, ignorante, incompetente, mal-intencionado, feio, chato e bobo —além de mais uma dúzia de predicados ofensivos que podem variar conforme o sexo, idade, cor, origem familiar ou geográfica e religião do autor da análise.
Mulheres, por exemplo, invariavelmente são atacadas com insultos que combinam alusões à promiscuidade e à aparência, temperados com todas as notas da sinfonia da misoginia. Ninguém é poupado. A regra é ferir, e o comentarista buscará em seu arsenal de ofensas os golpes que julga mais certeiros contra aquele "tipo de pessoa" a quem se dirige.
Quando estudante, cursei uma disciplina chamada "antropologia do insulto", que ainda me ajuda a compreender o comportamento em ambientes digitais. Uma ofensa bem-sucedida precisa ser calibrada para atingir exatamente onde dói. Principalmente porque ela precisa ser feita em público, uma vez que a humilhação diante de um coletivo é parte do sofrimento que se pretende infligir.
Toda ofensa é uma tentativa de degradação, um rebaixamento moral ou cognitivo. Frequentemente isso ocorre pela desumanização do outro (chamá-lo de burro, cavalo, cobra, galinha, cachorro etc.), pela atribuição de perversidades (fascista, genocida, antissemita, racista) ou pela acusação de imoralidade (vendido, conivente, falso, arrogante, conspirador).
Mas de onde vem essa paixão pela ofensa fácil a pessoas que não conhecemos, que nunca nos prejudicaram, por ideias que deliberadamente escolhemos consumir? E por que me sinto compelido a seguir perfis, ouvir comentaristas ou ler colunistas cujas visões sei que me irritam profundamente? Apenas para odiá-los de perto?
As disciplinas que estudam comportamentos e atitudes online ainda têm muito a avançar para desvendar essas dinâmicas digitais. Radicalização política, desintermediação jornalística, incentivos à agressividade por parte de grupos e plataformas, uma nova era de intolerância, a cultura do cancelamento, a crise epistêmica que substitui a confiança em especialistas por lealdade a líderes tribais, a exibição de virtudes e o narcisismo exacerbado —todos esses conceitos são ferramentas para tentar entender esse estranho mundo novo. Um mundo em que as pessoas buscam informação e análise, mas, em vez de usá-las para esclarecimento pessoal —tornando-se mais flexíveis e abertas—, convertem-nas em combustível para a própria raiva.
Essa fúria, por sua vez, alimenta o comentário impulsivo e agressivo, disparado como uma voadora, pé no peito do interlocutor, para puni-lo pelo intolerável crime de não confirmar as minhas lindas convicções e de se atrever a defender pontos de vista diferentes dos meus. Por que faria tal coisa, afinal, se não por seus inúmeros defeitos morais e intelectuais, que me sinto compelido a expor como a mais cristalina verdade, ainda que ele os receba como insultos?
Ao mesmo tempo, ao redigir o comentário, não apenas denuncio publicamente o quão burro e mal-intencionado é o meu interlocutor, mas também proclamo o quanto sou, por contraste, inteligente, moralmente superior, preciso e verdadeiro.
E, como se não bastasse, deixo claro que possuo a coragem daqueles que fazem questão de combater em público a imoralidade, a estupidez e o erro.
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