Uma associação de criminosos, réus de ficha imunda e suspeitos escandalosos pode levar um candidato ao segundo turno da eleição para prefeito da cidade de São Paulo. Alguns deles são associados ao PCC (Primeiro Comando da Capital).
A história causou algum escândalo, indignação inconsequente até sábado, quando a Justiça tirou Pablo Marçal (PRTB) das redes. Mas esse tipo de gente perdura, com sucesso adubado pela degradação que provoca.
Tal conformismo não é lá novidade. Diversas formas de crime organizado fazem parte da paisagem e dos intestinos do país. O PCC financia ou apresenta candidatos a prefeito e vereador em cidades paulistas, ocupa cargos, influencia licitações, ganha contratos de serviços públicos ou impede campanhas de candidatos adversários em seus territórios.
Não para por aí, claro. Políticos municipais são assassinados ou ameaçados, em São Paulo ou no Rio, sabemos a cada eleição. Milícias e seus associados na política mantêm abertamente empresas de construção de prédios e de grilagem de terras fluminenses.
As instituições do PCC controlam o crime mais violento e a ordem em bairros pobres; têm conexões na política paulistana. Coisa antiga, milícias e facções do Rio administram o fornecimento de internet, gás, luz —no caso de eletricidade, há até estatística de perdas com "gatos".
O Estado não está apenas sendo tomado pelo crime —ele também o produz, sendo o caso mais óbvio o das milícias. Enfim, o faz-tudo do ex-presidente da República das trevas era da turma de milicianos.
Faz uns anos, passou-se a compreender como PCC e Comando Vermelho se associaram à destruição da Amazônia. Áreas desmatadas e/ou griladas sediam pistas de pouso de aviões do tráfico e outros empreendimentos; grileiros recebem por este e outros serviços de logística.
O dinheiro de traficantes e seus prestadores de serviço compra e vende gado, ouro, madeira e outros materiais. Um sistema liga o desmatamento ao garimpo, ao extrativismo e à agropecuária ilegais, à grilagem, ao tráfico de drogas e a algum canal de escoamento financeiro.
Na cidade de São Paulo, dizem policiais e promotores, o crime ou empresas associadas constroem prédios, têm postos de combustíveis, hotéis, lojas, call centers, antenas para captar comunicações das polícias, centros de captação de recicláveis, desmanches ou revendas de celulares, roubados ou não. O PCC tem corretores de criptomoedas, hackers e tentava criar uma espécie de banco a fim de lavar dinheiro.
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"Lavagem de dinheiro", porém, é expressão enganadora. Passa a ideia de que apenas os resultados financeiros de operações criminosas precisam ganhar aparência legal. Porém, crime e atividades "legais" muitas vezes estão interligados desde o início da operação.
Quem produz, vende ou aluga tratores, caminhões, barcos, materiais de construção, correntes, combustível, ferramentas e produtos químicos para desmatamento e garimpo (ou, aliás, exporta químicos para a produção de cocaína)? Quem compra e vende ouro, madeira ou gado ilegais? Quem compra lixo reciclável ou carros roubados pelos criminosos?
As empresas do crime são interligadas pelas redes das facções e não sobrevivem sem contato com mercados legais. O crime "comum" decerto quer chegar ao poder, mas poder e política existem fora do Estado, bidu, também em mercados, legais ou ilegais. Tem muita coisa junta e misturada.
O que começamos a ver de modo mais extenso é uma espécie de plano político, com financiamento de candidatos, apoio a projetos de leis e a nomeações para cargos. O negócio ilegal defende seus interesses políticos: quer ser institucionalizado, quem sabe "legal".
Como em tantos outros desastres nacionais, não estamos nem aí; a polícia, só, não vai dar conta. O crime está na cédula eleitoral. Mas "as instituições estão funcionando", como dizem tantos politólogos.