O país viu na semana passada uma onda de mensagens de protestos de federações, associações e outras entidades ligadas ao setor agrícola contra a suspensão de parte do financiamento com subsídios federais do Plano Safra. Na sequência, o governo prometeu R$ 4,1 bilhões por meio de medida provisória.
As baterias das entidades estavam voltadas para o governo. Por lapso, ou de propósito, essas entidades esqueceram que elas têm duas centenas de deputados e de senadores que as representam no Congresso e que, também por acaso ou de propósito, eles não mediram a extensão da não aprovação do Orçamento sobre a atividade agropecuária, o núcleo de seus eleitores.
A manifestação dos políticos sobre o episódio é que o governo não está se esforçando para negociar. Na avaliação deles, talvez devesse haver uma flexibilização maior nas emendas parlamentares.
O governo não ajuda e abre brechas para esses atritos. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não entendeu que boa parte das mudanças de governos no mundo recentemente é por causa da inflação, mas não adianta tentar impor barreiras ao trânsito de produtos ou brigar com o preço do milho, da soja ou do ovo.
Até este último se tornou uma commodity com transação internacional atraente para o Brasil. No momento em que países como os EUA aumentam as importações dessa proteína, os preços mundiais melhoram.
Se o governo quer uma política de defesa do consumidor de menor renda, tem de incrementar programas de produção de alimentos básicos que funcionem. Não adianta dar apenas crédito. É preciso gerar meios de produção e de comercialização em grupo, uma vez que a produção de cada um é limitada, cara e resulta em pouca renda.
O jogo de políticos sobre a agropecuária não é prioridade apenas do Brasil. A lei que regulamenta a agropecuária nos EUA, a Farm Bill, é votada a cada cinco anos. Por divergências entre republicanos e democratas, ainda está em vigor a de 2018. A atual caducou, mas já foram feitas duas extensões de validade pelo Congresso. Sem a extensão, o Congresso sabe que vários programas, entre os quais os de seguro de safra, de conservação e de assistência alimentar, seriam interrompidos porque o governo ficaria sem recursos. Não se pensou nisso no Brasil.
A maioria das políticas agrícolas dos países produtores vem de décadas. Elas devem focar agora a crise climática acelerada, efeitos trazidos pela pandemia, necessidade de uma agricultura regenerativa e a maior preocupação com a possibilidade de insegurança alimentar. Esse deveria ser o foco mais atento de políticos e de governos.
A cegueira é tanta que a sombra de Donald Trump, Elon Musk, demitiu cientistas, pesquisadores e funcionários ligados a um departamento do governo que tenta estancar a sangria que a gripe aviária vem provocando no país.
Muito conhecedor de chips, com certeza ele não tinha informação sobre os efeitos nefastos da doença. Já são 163 milhões de aves mortas pela gripe aviária nos Estados Unidos, o que levou o país à inflação dos ovos e à necessidade de maior importação dessa proteína.
A Europa também não está isenta de novos ares na política agrícola, principalmente com o avanço da extrema direita na Alemanha. Assim como Trump, parte dos europeus quer a economia mais fechada, o que dificulta a transação de produtos e pode encarecer a alimentação.
Colunas e Blogs
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha