No mês passado, numa mesa de bar, uma amiga contou que, conversando com uma autoridade de uma agência nacional, mencionou que nos conhecia. A resposta? "Não aguento mais eles". Em outra ocasião, uma servidora nos escreveu que "todos os serviços de informação ao cidadão odeiam vocês. O nome de vocês é cotado —já sabem quem é quem".
Curioso, né? Para os gestores públicos que esqueceram o propósito básico de sua existência, uma organização da sociedade civil ativa que usa o direito constitucional de acessar informações públicas e cobrar transparência é "insuportável". É como se o cidadão fosse uma pedra no caminho do serviço público, não o fundamento de sua existência.
Se no setor privado o que impulsiona avanços e melhorias é a competição (e regulamentação), no governo é o chato do cidadão! "As agências frequentemente me chamam de irritante, mas isso é porque eu me recuso a desistir. O resultado final é que quase sempre acabo vencendo a guerra", afirma em entrevista à coluna Jason Leopold. O repórter investigativo da Bloomberg Business foi "carinhosamente" apelidado de "terrorista da FOIA", a LAI (Lei de Acesso à Informação) americana.
Fomentar competição entre órgãos e entidades governamentais também funciona. "Quando alguns estados se recusaram a liberar os registros, destacamos que outros estados eram transparentes em relação aos mesmos dados. Essa comparação pública pressiona os estados menos transparentes a liberar suas informações", contou Michael Morisy, fundador do MuckRock, a principal organização americana dedicada à FOIA, em entrevista à Fiquem Sabendo em 2020.
É por isso que rankings como o Painel da LAI da CGU (Controladoria-Geral da União), o Radar da Transparência da Atricon, o Índice de Transparência e Governança Pública da Transparência Internacional, entre outros, são grandes motores de melhorias. Estados e entidades que conquistam boas notas e selos conseguem mais adesão e apoio político, além de recursos, para manter o posto. As que ficam por baixo são empurradas pelo constrangimento.
Em nossas oficinas, que já formaram mais de 5 mil cidadãos em todas as regiões do país, dizemos sempre que é preciso ter pelo menos um "chato da LAI" em cada um dos 5.570 municípios brasileiros. Isso porque a lei existir não significa quase nada: como diz o já ditado popular "essa lei não pegou". Se não tem alguém pedindo e cobrando, o governo simplesmente não se movimenta. Da mesma forma que é preciso multar os motoristas que descumprem as regras de trânsito, é preciso "encher a paciência" das autoridades e servidores para que os princípios de transparência e publicidade sejam cumpridos.
"Em lugares onde os cidadãos acreditam que estão no comando e que o governo os serve, o cumprimento das leis de transparência é maior. Por outro lado, em culturas onde sentem que é indelicado ou arriscado questionar a autoridade, o sigilo prospera. No final das contas, tudo depende da cidadania", afirmou David Cuillier, conselheiro do Comitê da Lei de Liberdade de Informação da Administração Nacional de Arquivos e Registros dos Estados Unidos, também em entrevista à Fiquem Sabendo.
A boa notícia é que temos visto uma melhora na postura dos gestores. Mas não por causa de governo X ou Y, e sim pelo cada vez mais pujante ecossistema da sociedade civil organizada. "O exercício do direito de acesso à informação nos lembra quem está no comando. Quando participamos e entendemos que o governo trabalha para nós, lembramos que é o povo quem manda!", afirmou Morisy.
Deve ser motivo de orgulho ser considerado "chato" por quem é pago pelo povo e se incomoda em fazer o trabalho esperado de seus cargos. De presente de natal para o poder público damos a garantia de que em 2025 seremos ainda mais irritantes e formaremos ainda mais cidadãos para espalhar a chatice por todo país.
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