Opinião - Solange Srour: A guerra comercial foi realmente adiada?

há 3 horas 2

O início do novo governo americano tem trazido grandes incertezas e ameaças para os mais variados países. Após anunciar tarifas agressivas contra México, Canadá e China, Trump adiou por um mês a guerra comercial com seus vizinhos.

As tarifas sobre produtos chineses foram mantidas, mas em patamares bem menores que os prometidos. É difícil ter qualquer expectativa em relação aos próximos passos dos EUA, mas alguns pontos importantes merecem consideração.

Tarifas podem fazer sentido em um conjunto restrito de circunstâncias, como ajudar indústrias emergentes a alcançar escala de competição internacional e pressionar países a encerrar práticas desleais, como subsídios e manipulação cambial. No entanto, impor tarifas ao Canadá e ao México não atendia a nenhum desses propósitos. Em vez disso, prejudicava profundamente um ecossistema econômico que permite aos EUA manter sua competitividade global.

Os três países formam uma zona de livre-comércio mutuamente benéfica. De modo geral, o Canadá fornece insumos básicos, o México oferece mão de obra de baixo custo e as empresas dos EUA coordenam uma complexa rede de atividades através das duas fronteiras.

O caso da China, por outro lado, é bastante diferente. Por décadas, seu crescimento foi sustentado por dois fatores-chave: o aumento da população em idade ativa e o rápido avanço da produtividade. No entanto, há mais de uma década a população economicamente ativa atingiu seu pico e, desde então, tem entrado em declínio.

Ao mesmo tempo, apesar dos investimentos significativos em inteligência artificial e energias renováveis, o ritmo de progresso tecnológico do país tem mostrado sinais claros de desaceleração.

Para manter altas taxas de crescimento, a China precisaria reorientar sua economia, redistribuindo a renda de forma a estimular o consumo interno. No entanto, o governo chinês tem demonstrado resistência em adotar reformas que viabilizem esse movimento, continuando a priorizar políticas de estímulo à expansão da capacidade produtiva.

Com um excesso de oferta, a China não apenas tem exportado sua produção excedente de maneira agressiva como tem direcionado cada vez mais investimentos para outras regiões. As consequências para a economia global são significativas.

Por um lado, a grande perda de empregos na indústria alimenta o protecionismo. Por outro, iniciativas como a "Belt and Road Initiative" (Nova Rota da Seda) —projeto de Xi Jinping que estabelece uma rede de rotas comerciais e infraestrutura ligando a China a várias partes do mundo— trazem riscos para o Ocidente que vão além das questões econômicas, entrando na esfera geopolítica.

Esse é o segundo ponto que diferencia a China dos demais parceiros comerciais dos EUA. As preocupações com soberania nacional tornaram-se um dos fatores mais relevantes na formulação das políticas econômicas. A pandemia de Covid-19 evidenciou a fragilidade das cadeias globais em momentos de crise. Em seguida vieram as guerras, os embargos e as sanções. Como consequência, a questão da segurança nacional ampliou o escopo de atuação dos governos.

É nesse contexto que vemos iniciativas recentes, como as de Trump em relação à Groenlândia e ao canal do Panamá, sendo que Taiwan se destaca como um dos maiores riscos de médio prazo.

A temida retaliação chinesa foi cuidadosamente calculada. Diferentemente de sua primeira disputa comercial com Trump, quando Pequim respondeu com tarifas equivalentes às impostas pelos EUA, desta vez Xi aplicou tarifas sobre apenas uma pequena fração do valor mirado por Washington. Definitivamente, uma guerra tarifária em grande escala não interessa à China neste momento.

A grande incerteza que nos acompanhará por algum tempo é: até quando esse status quo será mantido, evitando um cenário disruptivo para a economia global?

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