Donald Trump começou o segundo mandato metendo o pé na porta, mesmo sem poderes como em outros regimes presidenciais. Por isso, ele tem focado questões comerciais, nas quais detém, ao invocar o Poder de Emergência Econômica Internacional (IEEPA) de 1977, a autonomia de impor tarifas sem passar pelo Congresso.
E o Judiciário dos EUA parece querer validar a sua agenda. Por exemplo, a Justiça autorizou que processo aberto por um piloto da American Airlines contra políticas climáticas do fundo de pensão da companhia tenha virado ação coletiva. Um juiz de primeira instância já deu ganho de causa aos requerentes.
A ação é simples: o piloto acusou a maior gestora do mundo, a BlackRock, com mais de US$ 11 trilhões de ativos sob gestão, de ignorar seu dever fiduciário por usar indicadores ESG (Environment, Social e Governance) no processo de escolha dos ativos em vez de focar somente indicadores contábeis tradicionais. Se a decisão for confirmada em instâncias superiores, isso pode transformar as práticas do setor financeiro mundial.
O pior é que não há como provar que a BlackRock deixou de perseguir o máximo de retorno no fundo da AA. Isso porque, embora tenha política de que seus gestores devem incorporar indicadores ESG, ela sempre deixou claro que era dever de cada gestor escolher seu método, sem fiscalização. Ou seja, a empresa fez algo próximo de "greenwashing", uma forma de blá-blá-blá verde no qual empresas anunciam políticas de sustentabilidade sem conteúdo real. A própria BlackRock, aliás, já foi acusada de classificar alguns fundos como verdes mesmo com participações grandes em empresas de petróleo.
É possível que essa ação e o negacionismo climático do governo Trump sinalizem que instituições financeiras devem abandonar o ESG e quaisquer outros indicadores similares. Ou seja, bancos e gestoras só poderiam atuar de forma a gerar o maior retorno possível, custe o que custar.
O problema é que o consenso científico é claro: gestoras sempre incorporaram indicadores não financeiros no processo decisório, mesmo de forma não sistemática. Por exemplo, são inúmeras as histórias de empreendedores que conseguiam crédito somente pela sua reputação, sem apresentar garantia.
Decisões de crédito sempre vão além das demonstrações contábeis. Imagine um fundo que não pode considerar a possibilidade de incêndios, como os que estão destruindo Los Angeles, na concessão de empréstimos. Será que tudo bem investir em ESG desde que não chamem disso?
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Recentemente, a BlackRock saiu de um grupo climático comprometido a reduzir emissões de carbono. A virada da empresa e outras instituições financeiras de Wall Street parece reação a Trump e ações judiciais contra ESG e medidas similares.
Para quem não se lembra, os republicanos já atrasaram a agenda climática por uma geração, quando George Bush Jr. assumiu o governo e retirou os EUA do Protocolo de Kyoto, desidratando-o. Se o Protocolo tivesse tido o efeito esperado (como o de Montréal que praticamente resolveu o problema da camada de ozônio), talvez tivéssemos reduzido bastante emissões de carbono.
Mas com Trump e a Justiça americana contra o clima? Não há chance de avançarmos. Por pelo menos quatro anos. Se não mais.