Escrevo com a Basílica dos Santos Justo e Pastor em Barcelona à minha frente. Há cerca de um século, foi aqui que um senhorzinho de 71 anos foi espancado e preso pela polícia por insistir em falar a língua catalã apesar do banimento imposto pelo governo central de Madri. Vivíamos um dos picos do nacionalismo catalão.
A agenda do separatismo também existe no Brasil. Sempre existiu. O século 19 foi marcado por dezenas de guerras, revoltas, movimentos, conjurações e conspirações que pregavam a autonomização de comunidades locais e a oposição ao governo colonial, imperial ou republicano. Os pernambucanos tiveram a Revolução dos Padres (1817), os sulistas a Guerra dos Farrapos (1835-1845) e a Guerra do Contestado (1912-1916), os mineiros batizaram a sua Conjuração com o seu gentílico (1789), os baianos lideraram as revoltas dos Guanais (1832) e a Sabinada (1837-1838). Foi só com a constituição democrática de 1988 que o país adotou uma estrutura federalista "indissolúvel" que engloba tanto estados quanto municípios e o DF. Frearam-se as ousadias independentistas.
Mas continuam existindo movimentos separatistas no Brasil. Contatei por e-mail sete destes grupos –Movimento O Rio é o Meu País, São Paulo Livre, República de São Paulo, Movimento Amazônia Independente, São Paulo Independente, Nordeste Independente e O Sul é o Meu País. Apenas dois responderam. Entre dezenas destas agremiações, algumas são projetos personalistas de caudilhos de bairro, enquanto outras existem porque um grupo de amigos jura lealdade a uma bandeira utópica após um churrasco. Há também as que vieram à tona porque um amargurado soube criar um website reivindicador que não desativou depois de ter conseguido um emprego.
Há, porém, iniciativas que merecem atenção. Em resposta por e-mail, Ivan Sérgio Feloniuk, presidente do movimento O Sul É o Meu País, afirmou que uma aliança de "movimentos autonomistas e independentistas do Brasil" planeja, em 2025, uma "grande coleta de assinaturas" para protocolar um PEC para "reduzir os poderes de Brasília, transferindo-os para os estados e municípios, esvaziando, assim, o poder central". Este movimento está capilarizado em mais de 900 dos 1191 municípios da região Sul, possui mais de 5 mil líderes e conta com o apoio de cerca de 95% da população, de acordo com duas consultas populares realizadas em 2016 e 2017, que contaram com a participação de 968 mil participantes, afirma Feloniuk.
A Norte, o Movimento Amazônia Independente defende a "fundação da República dos Povos da Amazônia". Buscam a formação de uma nação amazônica, "diante de um contexto de fragmentação cultural e alienação histórica". A língua nheengatu, ou antiga Língua Geral Amazônica, uma mistura de tupi, português e de várias línguas indígenas, é um elemento central na cultura local.
Estes movimentos, se cristalizarem a expressão de alguma queimação genuína, precisam ser escutados. Mas estes grupos também precisam escutar as conquistas federalistas dos últimos 50 anos. Felizmente temos números, índices e estatísticas para desapaixonar a discussão. Segundo o Índice de Descentralização Fiscal (FMI) e um estudo quantitativo do Banco Mundial, o Brasil já é dos países do mundo com maior autonomia regional em nível fiscal, administrativo ou político.
Por isso, se em Laguna (SC) ainda se celebra anualmente a participação da revolucionária Anita Garibaldi nas rebeliões provinciais que levaram à criação de governos independentes temporários, os sulistas, juntando-se a todos os outros povos regionais, poderiam também celebrar a memória do paulista Ulysses Guimarães e do baiano Ruy Barbosa, dois dos patronos da descentralização e do federalismo brasileiro, sem cismas.
Os separatistas brasileiros ganhariam em ser pragmáticos. O velhinho catalão chamava-se Antoni Gaudí. Sim, ele mesmo. O seu trabalho arquitetônico de inspiração catalã só começou a ser devidamente preservado e reconhecido quando, em 1969, o Ministério da Cultura da Espanha decidiu declarar dezessete de suas obras Monumentos Artísticos/Históricos de Interesse Cultural. Anos mais tarde, chegou o reconhecimento da Unesco, também apadrinhado por Madri. O apoio do governo central nunca tornou Gaudí menos catalão.