Eu não sei onde o leitor se encontra neste momento, mas sei onde deve estar: fora da sua zona de conforto. A zona de conforto é a digna sucessora da caixa, que também era pérfida.
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Antigamente era imperioso pensar fora da caixa, agora é preciso estar fora da zona de conforto. Há uma obsessão filosófica com estar fora seja do que for. Ao que parece, enquanto sociedade temos verificado que estar dentro não é bom. É preciso estar fora, pensar fora. Não há lugar mais mal frequentado do que a zona de conforto. Há que ir para fora.
Uma pesquisa rápida no YouTube devolve vários resultados úteis. Milhares de gurus ajudam a sair da zona de conforto —ou melhor, das várias zonas de conforto. Elas estão por todo lado. Deseja progredir no trabalho? Saia da zona de conforto. Quer um novo rumo para a relação amorosa? Experimente sair da zona de conforto. Está programando as férias? Que tal um destino fora da zona de conforto? Vai jantar fora? Prove os sabores que normalmente estão fora da sua zona de conforto. Francamente, é um discurso hilariante.
Não sei se isso é novidade, mas mais da metade do mundo daria tudo por um pouco de conforto. Atingir conforto é uma ambição de bilhões de pessoas. Mas um grupo de diletantes está tão confortável que se deixou tomar pelo enfado de primeiro mundo que só se apazigua saindo da zona de conforto.
É um discurso que vale muito dinheiro, porque as empresas adoram a ideia de que os trabalhadores devem rejeitar o conforto. "Quer direitos, Fagundes? Hum, isso não será o primeiro passo para se sentir mais confortável, que é tão nocivo?" "Você tem saído na hora certa, Meneses. Não estará na zona de conforto?"
Ainda mais engraçado do que o enfado de primeiro mundo com o conforto são as soluções de primeiríssimo mundo para sair da zona de conforto. A noção de desconforto, curiosamente, é muito confortável. Artistas, por exemplo, fazem esforços incríveis para se submeterem ao medicinal desconforto. "Eu costumava pintar a óleo, mas depois saí da minha zona de conforto e agora uso acrílico." Só espero que o público valorize a dimensão do sacrifício.
Infelizmente, a saída da zona de conforto enfrenta um problema lógico: se sair da zona de conforto é o que nos faz crescer, então é forçoso que isso nos dê algum conforto. O melhor é voltar para a zona de conforto, onde a evolução é mais difícil, e por isso gera, fatalmente, desconforto. O melhor é ficar quieto — atividade na qual eu sou especialista. É a minha zona de conforto.