Nesta sexta (11), às 16h, será o leilão dos quatro blocos de concessão de saneamento do estado do Pará. Foram recebidas propostas para três blocos, das empresas AEGEA, Azevedo e Travassos, e Servpred. Talvez haja competição no leilão para algum desses três blocos. Eu apostaria que, se houver competição, isso ocorrerá nos blocos A e/ou B. E a licitação do bloco C deu vazia. O leilão desses três blocos que tiveram proposta será considerado um "sucesso" pelo Estado, pelo BNDES, e por seus consultores que modelaram o projeto. Mas, é preciso refletir se isso vai de fato resultar no cumprimento das metas e objetivos dos contratos.
As concessões de saneamento do Pará apresentam riscos superiores aos projetos anteriores. A começar pela dimensão física das áreas: são 1.136.114 km². Compare-se isso com 462.500 km² que é a soma da área das seis concessões de saneamento anteriores (Alagoas, Rio de Janeiro, Amapá, Ceará, Sergipe e Piauí).
A densidade populacional também dá a ver as dificuldades a serem enfrentadas pela concessão. No Bloco A, 27 habitantes/km²; no Bloco B, 20; no Bloco D, 6; e, no Bloco C, 2. São densidades muito menores que as encontradas nos demais projetos de saneamento, o que significa altos valores de investimento por cliente, e com uma capacidade de obtenção de receitas limitada em vista da capacidade de pagamento da população. Não por acaso, a licitação do Bloco C que tem a menor densidade populacional deu vazia.
Adicione-se o fato de que 59% dos municípios abrangidos pela concessão estão fora da rede da Cosanpa (empresa estadual de saneamento), o que impacta negativamente a confiabilidade dos dados de partida do projeto, como o nível de cobertura dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto, o cadastro dos clientes e os níveis de perdas na distribuição de água. Nos projetos anteriores, Alagoas (18%) tinha a maior proporção de municípios independentes, seguido do Piauí (4%).
Esse problema é mais agudo porque a alocação contratual de risco sobre a diferença entre a realidade que será encontrada pelo concessionário e os dados previstos no edital, ou é alocada ao concessionário (no caso das perdas), ou há omissão contratual sobre o tema (no caso do cadastro), ou há uma divisão de riscos inadequada, como no caso das diferenças de cobertura, em que o contrato carreia para o concessionário o custeio das consequências de até 15% dessas diferenças.
Isso porque não se desenvolveu no Brasil modelos adequados de contratos de concessão de negócios que envolvem redes para a prestação dos serviços, como, por exemplo, distribuição de energia ou gás. O BNDES, que é o estruturador principal de projetos de saneamento no Brasil, usa um modelo de contrato que foi criado originalmente para o setor de rodovias, e, portanto, adequado para concessões de infraestruturas lineares de transporte.
Supõe-se que os participantes da licitação conseguem checar os dados de partida do projeto retratados no edital, porque, em rodovias em regra é viável inspecionar o estado da infraestrutura durante a licitação, o que não é possível nos negócios de rede.
Os participantes das licitações têm apontado esse problema, trazendo inclusive informação sobre os bilionários pedidos de reequilíbrio dos contratos anteriores. A reação do BNDES tem sido deixar mais claro nos contratos que esse risco é do concessionário, de maneira a minimizar as chances de sucesso dos futuros pedidos de reequilíbrio dos contratos.
Contudo, ao alocar um risco, deve-se pensar em como o ente que ficará por ele responsável vai gerenciá-lo. No caso dos dados de partida dos projetos de saneamento, não há como o concessionário precificá-los ou gerenciá-los, e, por isso, a sua reação racional seria, em tese, provisionar valores nas suas propostas para criar um colchão para lidar com os eventos gravosos relativos a esses riscos.
Todavia, em um setor como o de saneamento em que temos mais de 80 agências reguladoras no país, várias delas com capacidade limitada de fiscalizar os serviços, e que ainda há controvérsias sobre coisas básicas como a mensuração dos índices de cobertura do serviço, o incentivo aos participantes das licitações é de serem agressivos nos leilões e, depois, investirem apenas o que couber na proposta vencedora.
É essencial que os responsáveis por modelar os projetos entendam que a alocação contratual de riscos não faz com que os riscos desapareçam. Ao alocar riscos aos concessionários, é preciso considerar as consequências da ocorrência de eventos gravosos e os incentivos dos entes que vierem a ser atingidos por eles. Sem isso, o "sucesso" nos leilões não levará ao cumprimento dos contratos e, por consequência, à universalização dos serviços.