O governo está sob crise de confiança quanto às suas intenções fiscais. Por isso, deveria evitar medidas que sinalizem drible nas regras fiscais. Porém, tem permitido manobras desabonadoras.
No dia 12 de dezembro, o site oficial do governo federal noticiou festivamente que a "AGU é reconhecida como Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação".
O que um órgão jurídico tem a ver com CT&I?
Ao se credenciar como tal, a AGU pode se beneficiar de um instrumento legal criado para instituições públicas que realmente trabalham com CT&I, para criar uma "fundação de apoio", cujas receitas e despesas serão feitas por fora do orçamento da União e, portanto, fora do teto de gastos.
Aos poucos, o órgão pode empurrar para a fundação despesas administrativas, não relacionadas ao objeto da fundação.
A AGU, que deveria zelar pelo cumprimento das leis (inclusive as fiscais) criou brecha para alargar o seu limite de gastos.
O IBGE fez a mesma coisa ao criar a Fundação de Apoio à Inovação Científica e Tecnológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE+).
O Ministério do Planejamento, ponta de lança do ajuste fiscal, ao qual o IBGE está vinculado, deveria ter matado a ideia na origem, mas deixou rolar.
A artimanha pode se espalhar por toda a administração federal.
Em outra linha de ação, a Medida Provisória 1.278/2024, de 12/12/24, autorizou a União a participar de fundo privado destinado a reconstrução de áreas afetadas por calamidades e a medidas ligadas às mudanças climáticas.
Fundo privados têm sido usados à exaustão, por exemplo, para garantir empréstimos ou no programa Pé-de-Meia: o governo cria o fundo fora do orçamento, compra cotas deste fundo usando crédito extraordinário, que não conta para o limite de gastos e, em caso de calamidade pública, também não conta na apuração da meta de resultado primário.
Essa Medida Provisória já autorizou a União a utilizar o mecanismo para colocar R$ 6,5 bilhões na reconstrução do Rio Grande do Sul. É preciso reconstruir a infraestrutura do estado, mas a despesa precisa aparecer no orçamento.
O texto legal dá descrição genérica para os casos que poderão se beneficiar de recursos do fundo: "empreendimentos de infraestrutura relacionados à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas".
Uma interpretação alargada do que seriam ações de "mitigação e adaptação a mudanças climáticas" ampliará o uso do fundo extraorçamentário e o drible nas regras fiscais. Se AGU e IBGE viraram instituições de CT&I, por que minas de carvão não poderão ter projetos pró-clima?
Em 18 de dezembro o Congresso aprovou o PLN 31/2024. Nele, o governo propôs retirar do orçamento fiscal as empresas estatais que dependem do Tesouro para pagar despesa de pessoal ou de custeio.
As receitas próprias dessas estatais e as despesas por elas financiadas ficarão fora do orçamento. Elas receberão uma suplementação do Tesouro para fechar suas contas.
Não haverá incentivos para comedimento no uso das receitas próprias. Abrem-se brechas para pagamento de penduricalhos remuneratórios, mais liberdade para endividamento e há o risco de venda de serviços superfaturados ao governo, para engordar as receitas próprias.
O governo não para de driblar os limites fiscais que ele próprio criou. Fica difícil recuperar credibilidade.