Minha falta de habilidade com a bola nos pés sempre foi clara, ainda que não impeça a diversão no futebol com os filhos ou amigos. Também nunca dificultou minha compreensão sobre as regras do jogo.
As regras, aliás, eu enxergo como o que efetivamente torna uma partida interessante. Fosse só chutar para o gol, a capacidade técnica seria invariavelmente vencida pela força bruta.
O apreço às normas me leva a olhar para o mercado financeiro de um jeito menos voraz do que o retratado nos filmes sobre o tema. No mundo real, se uma jogada parece boa demais para ser verdade, provavelmente não é verdade ou foge das regras do jogo.
Por isso, foi de estranhar a notícia que circulou na semana passada, de que uma corporação chinesa estaria disposta a desembolsar milhões de dólares para resgatar das cinzas uma combalida construtora brasileira.
Trata-se da PDG Realty, construtora listada em Bolsa, com suas ações PDGR3 negociadas na casa do R$ 0,01 pelos últimos quatro meses. Ela publicou, no dia 19, um documento com um email atribuído à gigante da construção Sun Hung Kai Properties (SHKP), de Hong Kong, com uma oferta para comprar todas as ações da PDG.
No email em questão, o suposto braço internacional da SHKP estaria se oferecendo para pagar quase R$ 0,10 por ação (R$ 0,0985, para ser exato). Quase dez vezes mais do que o preço pelo qual o ativo vinha sendo negociado nos últimos meses.
A divulgação do documento fez, claro, o volume de negociações das ações disparar e seu preço chegar a bater R$ 0,03 no dia 20.
Uma empresa não vale unicamente o preço de suas ações. A PDG, que esteve em recuperação judicial de 2017 a 2021, tem diversos imóveis em seu portfólio. Mas ela luta com credores para não voltar à lona, com dívidas acumuladas.
Escrevi um email para o endereço que constava da assinatura do tal email com a oferta da SHKP, pedindo mais informações sobre a negociação. O email voltou. Endereço inexistente. Entrei em contato com a própria PDG apontando o erro e pedindo mais informações: "Nada a declarar".
Fui falar direito, então, com a SHKP, que negou, por sua comunicação oficial, a existência de qualquer proposta ou interesse na PDG.
Publiquei a notícia no site do qual sou CEO, o Monitor do Mercado. Mostrei também como o volume de negociações de ações da PDG nos dois dias anteriores à divulgação foi explosivamente acima do normal, indicando que investidores se posicionaram, possivelmente esperando a movimentação que o falso documento traria aos papéis.
Depois disso tudo, a PDG decidiu divulgar novo "fato relevante". No documento, se limitou a dizer que "está apurando a origem do expediente [email] recebido, bem como o teor das notícias veiculadas". Nenhuma palavra sobre o fato de o volume de negociações da ação ter disparado antes da divulgação do tal email com endereço e executivo "fake".
Ainda que tenha sido surpreendida com a notícia sobre a falsa proposta, divulgar primeiro e apurar depois vai contra qualquer manual de comunicação. Os players do mercado financeiro não podem jogar na Bolsa de Valores, uma espécie de primeira divisão, seguindo as regras da várzea.