Quando Geraldo Alckmin foi candidato a vice-presidente na chapa de Lula, em 2022, a justificativa para a ala mais à esquerda do PT é que o médico, ex-governador de São Paulo e rival histórico dos petistas, seria um nome para acalmar o mercado. Se isso era verdade, nesta semana, ele conseguiu ser a antítese de si mesmo.
Enquanto Lula estava no Japão —oficialmente assinando acordos comerciais e tentando desenrolar a exportação da carne brasileira—, Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, vestiu o uniforme de presidente em exercício. Com esse chapéu, declarou que seria melhor desconsiderar a inflação de alimentos e energia ao definir a taxa básica de juros.
A afirmação, em um evento do jornal Valor Econômico, pegou mal. Mais pelo que sinalizou do que pelo que foi efetivamente verbalizado. O doutor já tem muito tempo na política para saber que políticos dizem muito mais do que o que falam, principalmente no mais alto cargo da República.
O noticiário e as redes sociais não perdoaram, apontando que Alckmin queria mudar o cálculo de inflação —promovida a inimiga número um de uma possível reeleição de Lula. "Seria como o médico desconsiderar o colesterol ruim do exame de sangue", provocaram.
A Agência Brasil tentou conter o estrago, publicando uma espécie de defesa oficial: ele não sugeriu mudanças no cálculo da inflação, só no que era levado em conta para definir juros. O ministro da Economia, Fernando Haddad, como se não tivesse crises o bastante em seu colo, teve que usar uma rodada de entrevistas e eventos para acalmar o público, garantindo que o governo não tentaria nenhuma solução mágica.
Se tivesse conversado com seu colega de governo, Haddad, ou com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, Alckmin saberia que, para definir a taxa básica de juros (Selic), são levados em conta diferentes núcleos de inflação, não somente ela "cheia". Está na discricionariedade do Comitê de Política Monetária (Copom) só mexer nos juros quando eles tiverem algum efeito real no controle da inflação. Se a causa for aumento do preço do petróleo ou uma seca na lavoura, como sugeriu Alckmin, cabe aos doutores do Copom colocar isso na conta, para não aumentar a crise.
Em meio a um descontrole inflacionário que empurra os juros aos dolorosos 15% ao ano, o presidente em exercício tentou desvincular o governo da inflação. "Se eu tenho uma seca muito forte, uma alteração climática muito grande, vai subir o preço de alimento, e não adianta eu aumentar os juros que não vai fazer chover", disse, no fatídico evento.
A estratégia de colocar a culpa nas nuvens, não costuma dar bom resultado. Em julho de 2014, quando São Paulo vivia sua histórica crise hídrica, Alckmin, então governador do estado, tentou dizer que não havia um elefante na sala. "Eu, como sou da roça, aprendi que só chove em mês com 'r'", disse, minimizando a falta d'água. Não se mexeu o bastante e a população sofreu com cortes que chegaram a durar 30 dias.
Agora, falar de mudanças em cálculos ou culpar a natureza, em vez de trabalhar com a realidade, mostra mais uma tentativa de eximir o governo da culpa, na corrida eleitoral de 2026. O desabastecimento, dessa vez, é financeiro.