Opinião - Marcelo Viana: Henri Poincaré, campeão da intuição na matemática

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Em 2012, fui convidado pela Sociedade Brasileira de Matemática a proferir uma palestra assinalando o centenário da morte de Henri Poincaré (1854–1912). Durante um par de meses, mergulhei na tarefa, lendo livros, consultando colegas, pesquisando na internet. Comecei achando que conhecia muito do trabalho dele, mas terminei bem mais humilde perante a magnitude do seu legado científico.

Os grandes matemáticos podem ser classificados em dois estilos principais: solucionadores ("problem solvers"), que resolvem conjecturas e provam teoremas difíceis, e desbravadores ("pathbreakers"), que descobrem novas ideias matemáticas e conexões entre elas. O brasileiro Artur Avila, ganhador da medalha Fields em 2014, pertence ao primeiro estilo. Poincaré é um exemplo perfeito do segundo. Com sua intuição fora de série, abriu novas trilhas na matemática que são exploradas até hoje.

O seu legado matemático é extraordinário: contribuiu para quase todas as disciplinas da matemática e criou outras —a teoria das funções automorfas, a topologia algébrica, os sistemas dinâmicos—, além de ter aberto o caminho para a teoria das funções de várias variáveis complexas e para a análise assintótica.

Sua contribuição a outras ciências é igualmente notável. Influenciou o desenvolvimento da física do seu tempo, participando ativamente nos grandes debates. Revolucionou a mecânica celeste, descobrindo o fenômeno do ‘caos’. Encontrou novos equilíbrios dos astros e propôs um novo mecanismo para a formação de estrelas duplas. E foi um dos criadores da teoria da relatividade restrita, que leva o nome de Einstein.

Sua praia era muito mais descobrir do que provar coisas. Teorema de Poincaré–Hopf, de Poincaré–Birkhoff, de Poincaré–Bendixson, de Poincaré–Siegel, fórmula de Poincaré–Cartan, operador de Poincaré–Steklov: são apenas algumas das muitas ideias matemáticas que descobriu e outros depois provaram ou aprimoraram.

Seu primeiro trabalho importante foi a descoberta de um tipo de funções que chamou ‘fuchsianas’, em homenagem ao colega alemão Lazarus Fuchs (1833–1902). Ele mesmo conta, em palavras que comprovam a elegância do seu estilo: "Durante 15 dias me esforcei para provar que tais funções não existiam. Eu era muito ignorante. Todo dia me sentava à mesa de trabalho e aí passava uma hora ou duas, tentando várias combinações, e não chegava a nenhum resultado".

Até que "um serão, contra o meu costume, tomei café preto e não conseguia dormir. As ideias afluíam sem parar. Eu as sentia chocando entre si, até que duas delas se acomodavam, digamos assim, para formar uma combinação estável. Pela manhã, eu tinha provado a existência de uma classe de funções fuchsianas. Só faltava redigir os resultados, o que tomou apenas algumas horas".

O alemão Felix Klein (1849–1925) protestou contra o nome ‘funções fuchsianas’ que, na sua opinião, não fazia justiça à sua própria contribuição a essa teoria (ainda que Poincaré chamasse ‘funções kleinianas’ a um conceito mais geral). Em resposta, culto e elegante, Poincaré limitou-se a citar o "Fausto", do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832): "Um nome é apenas ruído e fumaça".

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