Opinião - Marcelo Leite: Vacina de herpes-zóster também pode prevenir alzheimer

A doença de Alzheimer mostra-se tão cruel quanto enigmática. Pesquisadores ainda se debatem com vários fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida que parecem contribuir para a moléstia, todavia incurável, mas por vezes o acaso vem em seu socorro.

Mesmo sem entender bem a enfermidade, a sorte pode ajudar a preveni-la em alguns casos. Não da genética de cada indivíduo, no caso, mas de um experimento natural indicando que a vacinação contra herpes-zóster está associada com menor incidência de alzheimer.

O herpes, também conhecido como cobreiro, ocorre quando o vírus da catapora (varicela-zóster, VVZ), que permanece dormente no organismo, sofre reativação no adulto que tenha sido infectado na infância. Surgem erupções na pele, em geral no tórax e pescoço, que causam coceira e ardor local ou desencadeiam dores nevrálgicas fortes.

O experimento natural mencionado acima se deu no País de Gales em 2013, quando se definiu que seriam elegíveis para tomar a vacina todos os cidadãos nascidos em 2 de setembro de 1933 ou depois. Com isso surgiram duas populações parecidas de idosos, com alguma diferença de idade, mas com distinção crucial: só uma das coortes poderia ser imunizada contra herpes-zóster.

Markus Eyting e Min Xie, da Universidade Stanford, e colegas da Alemanha e da Áustria tomaram partido da situação única para comparar a incidência de alzheimer nos sete anos subsequentes. A hipótese surgiu porque se conhecia a associação com demência do VVZ e de um vírus aparentado, herpes-simplex, que ocasiona erupções nos lábios ou em órgãos genitais.

Entre galeses elegíveis, a taxa de vacinação alcançou 47,2%. Lançando mão de registros eletrônicos detalhados de saúde, o grupo concluiu que a imunização para herpes-zóster diminuiu em 20% o risco relativo de desenvolver demência. Mais uma boa razão para se vacinar, se puder dispor de R$ 2.000, ou para pressionar Congresso e governo pela inclusão no SUS.

Realizou-se semana passada no Rio a Reunião Anual do Instituto Nacional de Neurociência Translacional (INNT), coordenado por Roberto Lent e Sergio T. Ferreira. Um dos assuntos recorrentes nos três dias do evento foi, justamente, o mal de Alzheimer, como na palestra do patologista Edward B. Lee, da Universidade da Pensilvânia.

Usando o banco de tecidos cerebrais da instituição, seu grupo comprovou que um dos fatores para surgimento de demências é poluição do ar, em especial partículas com diâmetro inferior a 2,5 mícrons (milésimo de milímetro), ou PM2,5. De passagem, Ed mencionou que PM2,5 de incêndios florestais causa mais dano ao cérebro do que material particulado similar da poluição urbana.

Não chega a ser novidade, mas serve para demonstrar que a noção de progresso com desmatamento e queimadas para plantar pasto e soja é tão demencial quanto desacreditar de vacinas.